A invenção da mentira*
Nunca achei piada ao 1 de Abril. Todos os anos a mesma conversa: o dia das mentiras para aqui e para ali, piadinhas estafadas com a política e a bola e por aí fora. Até o jornais fazem a sua partidinha marota. Tem imensa graça. Todos os anos. Um dia reservado para mentiras como se o mundo fosse um lugar onde elas não existissem e tivéssemos de tirar um dia diferente do habitual.
Todos os dias inventamos desculpas para escapar a compromissos, inventamos memória, ficcionamos o nosso quotidiano e reforçamos a nossa personalidade com factos inexistentes. Mentir não é senão a única forma de alterarmos a nossa realidade como melhor nos convém. Isto não tem de ser necessariamente mau. Mentimos para não sermos inconvenientes ou cruéis, por exemplo. Mentimos para agradar aos outros ou até mesmo para não prejudicar ninguém, num esforço altruísta muitas vezes inconsciente.
A mentira é também a defesa da nossa intimidade, a nossa muralha para defender fragilidades, defeitos ou vícios que não queremos expostos a qualquer um. Fazemos dela uma forma de nos adaptarmos ao meio. No limite, estamos sempre a ir contra a nossa natureza e a inventar a mentira todos os dias expurgando-lhe o pecado e dourando-a com a necessidade.
Tornámos este dia numa efeméride aborrecida. A minha irmã faz anos hoje, por exemplo, e sempre que o digo a alguém, está-se mesmo a ver o seguimento da conversa. Anos e anos disto. É aborrecido.
Se o 1 de Abril continuasse a ser uma forma de gozar os franceses, confesso que me sentiria mais tentado a comemorá-lo. Assim, só me resta desprezá-lo.
*Título roubado ao filme de Ricky Gervais.