Não há só fados no S. Luiz
Ir ao S. Luiz, por si só, já é um sucesso garantido. Um sala que recebe tão bem e com a sua qualidade técnica é, por si só, uma vitória. Mas como em tudo na vida não fazemos nada sozinhos, não somos completos.
A noite desceu quente sobre Lisboa. O cheiro da Primavera é perfume adequado para estes serões que nos abraçam com uma ternura inigualável. São as noites propícias à sensualidade das danças, das guitarras desgarradas que arranham a calçada e a partem sem piedade. Calçada que se estende de Lisboa a Paris ou a Buenos Aires querida através de uma voz de veludo que nasceu a cantar, sem esforço, torcendo a alma como um pano velho, o inevitável fado que nos mói, desconforto ou inquietação sem o qual não sabemos viver. Assim se completa o espaço com um corpo que se move pelo palco com uma delicadeza sincera nos gestos provocando arrepios e sorrisos. E quando se move, Cristina Branco dança e reage às palavras que se vão trocando como por mera brincadeira, como um jogo de significados entre as línguas; uma nova linguagem entre a guitarra portuguesa e o acordeão; uma nova linguagem entre a língua de Camões e a de Baudelaire que se cruzam num tango paciente e cheio de luz. Vem daí a doçura nos dedos de Laginha por breves instantes que parecem uma eternidade. É aí que ficamos, na eternidade desta beleza, deste conforto, em estilhaços.