jorge c.
A indignação tem a perna curta. Entre outras coisas, a democracia vive, essencialmente, de debate e decisões. Nada se faz, em política, sem debate e decisões. Podemos admitir que há boas e más decisões, mas se estas foram tomadas a partir do debate, então devemos ser mais lúcidos e aceitar as regras do debate. As eleições são o corolário do debate. Uma sociedade democrática vive desta dinâmica. É claro que aceitar as regras do debate não significa deixar de debater. Mas, a indignação raramente está no factor nuclear da discussão e sempre num universo paralelo dominado por emoções e subjectividade.
Vem isto a propósito da polémica mais recente no Porto, da escola da Fontinha. Até há um mês atrás, ninguém fazia ideia do que era a escola da Fontinha. Até há um mês atrás, 99,9% dos portugueses não fazia ideia, sequer, onde ficava o bairro da Fontinha. Portuenses inclusive. Mais: morei no Porto 20 anos, trabalhei no sector cultural e fui freguês de muitos equipamentos. Durante anos, a sociedade civil portuense não fez um caralho - zero, nicles batatóides, rien de rien - por qualquer coisa que fosse. O Porto foi, durante um período longo, uma cidade culturalmente falida e sem mobilização social. No dia em que a Câmara Municipal do Porto resolveu fechar a torneira, a indignação saiu à rua. Como em tudo, há os que gritam e há os que aproveitam a oportunidade para fazer acontecer. Muita gente fez acontecer e o Porto é, hoje, uma cidade diferente do que era em 1997, por exemplo.
Não conheço os pormenores do caso da Fontinha. Acompanhei, pouco, através do Porto24. E tive o cuidado de ler o comunicado da CMP. Todos os movimentos sociais são louváveis. Mas para que estes movimentos possam actuar sobre bens sujeitos a um conjunto de regras, nomeadamente bens patrimoniais (móveis ou imóveis), é necessário que se constituam numa figura com personalidade e legitimidade jurídica, de forma a que, como qualquer outra pessoa singular ou colectiva se sujeite às mais elementares regras democráticas, para sua própria segurança e para segurança de todos nós. Nenhuma sociedade democrática (seja ela vista da perspectiva que for) vive apenas de direitos. Quem achar o contrário tem um problema com o sistema, em si, e não com uma ou outra regra em particular. A sua discussão, então, é outra.
Posto isto, e ainda que tendo feito cumprir a lei (e muito bem) a CMP não pode ignorar as consequências de um trabalho que redesenha uma realidade social e que tem o apoio de uma comunidade inteira. Não estando esta comunidade representada por uma figura oficial, deve, então, a CMP ser a representante dessa comunidade e tentar perceber como é que se passa a um patamar de cooperação. Alegar que há "um projecto" em vista, é ignorar e violentar a iniciativa popular. Esta intransigência de Rui Rio faz dele um autarca menor do que aquilo que poderia ser. O Presidente da CMP não sabe dialogar, debater e cooperar. Para além do já conhecido vaidosismo dos autarcas portugueses, que gostam de ser sempre eles os protagonistas, Rui Rio é intransigente e isso pode prejudicar a harmonia social e o consequente desenvolvimento local.
Esta intransigência parece que é um vírus. O movimento ES.Col.A achou que não tinha nada que negociar nada, nem de ceder a nada e, como estavam a fazer o bem, tudo lhes era permitido. Curiosamente, Breivik ainda pensa assim. Seja no homicídio, no roubo, na fraude, na apropriação indevida, no testamento ou nos contratos de trabalho, a lei existe para que nos possamos proteger de eventuais abusos de direito. Ao ignorar a lei, o movimento ES.Col.A desprotegeu-se e perdeu toda a legitimidade para reivindicar o que quer que fosse.
Há, nesta história, várias pontas por onde pegar. São problemas de harmonia social que, numa altura de crise económica e social, disparam. As emoções tomam conta do discernimento e uns passam logo a extrema esquerda e outros a fascista. Uns antes de reivindicar e discutir já estão de pedra na mão e os outros de cacetete. Tudo isto é lamentável e um sinal claro de que ninguém se quer entender. Cambada de gente mimada.