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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

27
Jun13

uma questão de fé

jorge c.

Mundialmente conhecido por me irritar com extrema facilidade, há coisas que me levam, até, a perder a esperança na humanidade.

Não se pode dizer que a opinião pública seja dotada de inteligência, já que parte da forma como se manifesta é influenciada por uma espécie de tradição de pensamento. Se, por um lado, a tradição do pensamento (que representa, muitas vezes, uma memória colectiva) ajuda-nos a não repetir determinados erros, por outro lado, cria um problema sério de falta de juízo crítico, de consciência.

Teríamos muitos exemplos, bastante actuais, para dar: a greve, a nossa Michelle e Portugal a dar cartas lá fora, o calor e os incêndios, os malandros dos desempregados, os políticos corruptos e os empresários mafiosos, o desenrascanso enquanto característica positiva de um povo, a crise de valores e o facilitismo, e por aí fora. Tínhamos aqui cinema para a tarde toda. 

Mas, sejamos sucintos que o tempo é curto: o lugar comum na mentalidade contemporânea é uma bala de mau gosto que fere a harmonia entre a rapaziada, que dificulta o debate de ideias e que contribui para uma maior incompreensão do outro. E é por isso que devemos parar antes de dizer a primeira coisa que nos vem à cabeça, que nos é trazida por aquilo que fomos ouvindo a vida inteira e que nem sequer questionamos, porque nos parece lógico. Ora, como pode ser considerado lógico algo sobre o qual não pensámos, não discutimos e que concluímos com ideias emprestadas?

É uma espécie de gosto que se vai infiltrando, como um vírus, por afirmações peremptórias e que nos dá uma espécie de confiança e a ilusão de convicção que não é, senão, uma fé. Acontece, com frequência, sermos confrontados e, quando procuramos prova, não está lá nada. É um vazio que parece fazer desmoronar a nossa percepção das coisas.

Porque é assim. Porque pronto. Não achamos bem. Não nos parece bem. É porque é. 

 

 

 

24
Jun13

Ode do sol futurista

jorge c.

No dia em que o sol cresceu, no meu país

As máquinas começaram a trabalhar

E vieram de todo o mundo homens

E mulheres e crianças cantando felizes

A esperança do senhor ministro Gaspar.

 

Os barcos encheram o rio de alegria

E na estrada fulminou o brilho do progresso

Ehhhhhh! Cimento pesado! Ehhhhh! Tijolo sólido!

Dezenas de cisternas e betoneiras a romper

Pela velha calçada erguendo os alicerces do investimento.

Florescem as bases da habitação, do crescimento.

Que calor bom, este, que semeia a riqueza de betão

É esta a temperatura mística que fará esquecer o inverno.

 

Ah! Não me venham com a melancolia da chuva.

Hibernem em Dezembro e Janeiro e partam pedra

O ano inteiro, quando o sol brilhar no alto e não mais

For possível respirar o ar sufocante das tardes de Julho.

Vejam edificar o amanhã da civilização ocidental.

Que o ouro cresça nos bolsos das gentes e que,

Finalmente, se faça cumprir Portugal. 

 

19
Jun13

portugal dos pequeninos

jorge c.

Fico sem saber se a Unicer acha que as pessoas são estúpidas.

Hoje, deparo-me com este vídeo (um viral! oh, um viral!). Passado um bocado, com este comunicado. Espantoso.

 

Vamos a factos. Podemos considerar isto Marketing de guerrilha? Podemos, apesar de eu não saber bem o que quer dizer Marketing de guerrilha e isto soar-me apenas correcto. E é feio. Em primeiro lugar, porque temos uma fraca prestação dos tribunais de concorrência em Portugal. Em segundo lugar, apesar deste vídeo ser limpinho (passa perfeitamente por ter sido feito por um fã), tem tiques de agência de comunicação. Tiques que podemos ver, aliás, naqueles vídeos virais do Turismo de Portugal e de Portugal vs. Finlândia, etc. Malta que é viciada em fazer virais. Tem a marca de água. E não estamos a falar, propriamente, de agências que façam trabalhinhos para pôr na conta da amizade. Resta saber se estamos perante guerra entre marcas, entre agências de comunicação ou entre ambas. Eu aposto todas as fichas na última hipótese. 

Hoje, muitas empresas portuguesas são detidas por capitais estrangeiros. A própria Unicer é detida, em 44%, pela Carlsberg. Usar este argumento é de uma insensatez tal, que é difícil imaginar a falta de realismo destas luminárias. Para além do carácter xenófobo e de patriotismo serôdio, sobre os quais não iremos perder tempo, agora.

Empresas-eucalipto como a Unicer e a CentralCer dão, nestas e noutras circunstâncias, um exemplo péssimo, uma imagem tenebrosa dos empresários portugueses e ajudam ao naufrágio da economia em Portugal, devido às suas estratégias pequeninas de gestão. Nestas guerrinhas de números, de quotas de mercado e de gestão cega, dezenas ou centenas de pessoas são demitidas; centenas de famílias ficam descalças. E tudo para um joguinho infantil de monopolização do mercado.

As agências de comunicação, por outro lado, é que percebem disto. O! Uns génios! Os vídeos virais e a internet e o raio que os parta. Não passa pela cabeça destas amibas que o consumidor não é estúpido e que não gosta que o tratem como estúpido. E, sabendo da inocência (ou da clubite) de algumas pessoas, promover este discurso é de uma irresponsabilidade que não merece qualquer respeito.

O que falta, sobretudo, é uma noção simples de ética. Uma coisa que não seja só dita nas conferências. Que se pratique.

14
Jun13

o provador de venenos

jorge c.

O último jornal em papel que comprei foi o Jornal de Negócios, à terça-feira. Na altura, estava num emprego demasiado aborrecido e o mundo estava a mudar a uma velocidade vertiginosa. Como não percebia (e não percebo) nada de finanças e economia, resolvi socorrer-me da coluna que o João Pinto e Castro escrevia para o Negócios. Raramente concordava com ele. Mas, uma coisa era certa: podia contar com a seriedade do JPC, com factos e com debate de ideias. Ler o João ajudava-me a pensar.

Foi assim, primeiro na blogosfera e, mais tarde, no twitter. O JPC trazia sempre elegância. Tinha um gosto musical extraordinário, era cultíssimo e dono de uma arrogância necessária para estabelecer fronteiras.

Apesar de termos trabalhado no mesmo sítio durante 2 anos, nunca chegámos a conviver. Não fazia sentido. Ou se calhar fazia mas, o problema desta merda toda é que não há tempo.

Até já.

07
Jun13

A Vingança de Laertes

jorge c.

Uma viagem longa, a ressaca de um copo d'água e uma derrota do Benfica. Os dedos tresandavam, ainda, a tabaco. De tal forma, que até fumar me custava. Convenhamos que não era um bom dia para assistir a nada, nem a um homicídio, nem à ressurreição do Elvis, nem à vingança de Laertes.

Porém, foi assim, sem qualquer dignidade, que desci as escadas para a cave do Pinguim Café, comprometido com a Apuro e, em particular, com o meu amigo Rui Spranger, a quem havia prometido passar por lá assim que regressasse ao Porto. E é nesta lógica dos regressos que o nosso espírito fica mais receptivo aos detalhes da humanidade e da civilização. 

William Shakespear, o mais brilhante dos dramaturgos, sabia os espíritos fechados. A magia da sua arte era despertar os corações, debruçando-os sobre o abismo, com o céu em qualquer parte, sem saber se de dia ou de noite, porque a escuridão era total. Na vida ou na morte. A verdade suja e cruel acabaria por aparecer.

Precisamente quando ela aparece, em Hamlet, Paulinho Oliveira resolve convidá-la para um copo. É como se tivessem conversado e concluído que, às vezes, nem tudo tem de ser como aparenta. Nem a morte. É, então, que surge Laertes para despir Hamlet e expô-lo. Os dois mais mortos do que vivos, num jogo de convicções vincadas, como um dardo num alvo incerto. Mas, a serenidade de Hamlet inverte a certeza criada desde o início.

A Vingança de Laertes é um texto de uma erudição rara no teatro português. O seu autor (encenador e actor) consegue compreender o impacto que o carácter tem na dinâmica de uma sociedade e como um simples gesto pode corromper um universo. Quem vive, então, em função do quê? Que causa serves, Hamlet? São estas perguntas, do mais íntimo de uma personagem à reflexão social, que Paulinho Oliveira provoca, até nos esmagar o peito e fazer-nos questionar sobre o que fizémos (ou o Once in a Lifetime, dos Talking Heads). "Se queres prosperidade por um ano, cultiva grão. Se queres prosperidade por 10 anos, cultiva árvores. Mas, se queres prosperidade por um século, cultiva gente".

Todas as palavras no sítio certo, num texto longo que acaba por não incomodar, dada a sua dinâmica e a excelente encenação. Os dois actores são envolvidos por duas tensões diferentes que convergem no factor trágico. Laertes é uma tragédia universal e intemporal. E é dessa intemporalidade, das coisas que não morrem, que vive esta peça - da envolvência entre tempos diferentes.

Estamos perante um caso claro de uma peça que é muito bem recebida num bar da cidade do Porto (talvez o único que ainda se preocupe, mesmo que com poucos recursos), mas que merecia um palco maior, uma outra sala. O seu final lento e, talvez, o único momento desnecessário de todo o espectáculo (as fotografias são demasiado ingénuas e fica-se com a sensação de que nos estão a impor sentimentos, tornando o objecto óbvio) é agravado pelo desconforto da sala. 

No entanto, é um espectáculo tão inspirador, que esquecemos este detalhe com facilidade. Voltamos a beber. Voltamos a fumar. Perdôo o Benfica e desejo felicidades ao meu amigo que se acaba de casar. Pois, agora, compete-lhe a ele cultivar gente. 

 

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