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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

26
Jun11

No fundo do mar

jorge c.

Não sei o que está na fronteira entre os sonhos e a fantasia. Sei, porém, que a fantasia é metafórica e que nos ajuda a crescer, a pensar em abstracto, a desenvolver a nossa percepção e os mecanismos para construirmos a nossa própria escala. Poucos são os que, a partir de uma narrativa fantástica, criam um factor pedagógico. A grande maioria prefere a infantilização. Por cá, tivemos a sorte de ter Sophia e José Gomes Ferreira.

Dos sonhos, desse lugar mais utópico de que mágico, ficamos com pouco mais do que uma idealização. O sonho embala as ideias e é, quase sempre, uma pretensão egoísta. Mas, deles podemos tirar uma estética terna, melíflua, ao mesmo tempo que negra e nublosa.

Nas "Histórias da Terra e do Mar", Sophia misturou estes dois universos, sem branduras. Gomes Ferreira fez o mesmo no "João Sem Medo". Até na fantasia existe adversidade e pode haver uma cortina de fumo - um sonho onde descobrimos a claridade. É algures nessa pedagogia que está a tal fronteira tão difícil de encontrar e que nos seduz, que nos leva à música, às letras e à encenação. Ora, não é fácil imaginar o imaginário que já por si só é tão perfeito. Representar qualquer um destes autores torna-se uma tarefa hercúlea.

Podemos, contudo, juntar dois ingredientes improváveis e fazer do imaginário uma representação fiel da fantasia e do sonho, recorrendo ao mais belo dos minimalismos. Foi precisamente este espectáculo que o Teatro S. Luiz montou, de forma muito feliz, com Bernardo Sassetti e Beatriz Batarda.

É como um bailado entre os dois universos. A irreverência ternurenta de Batarda contando a história da Menina do Mar, alimentando a fantasia, dizendo todas as palavras e todas as onomatopeias com a fragilidade e a delicadeza que isso importa. A cortina de sonhos enrolados e escuros como um coral sombrio no fundo do mar que nasce dos gestos leves de Sassetti - um nevoeiro constante que mistifica a rotina - desnorteia-nos e adormece-nos o adulto.

Às vezes temos a sorte de encontrar estas conchas com pérolas que iluminam a nossa memória, e voltamos a ser o rapazinho que em frente à janela fantasiava os sonhos nas árvores, nas casas, nas pessoas, nos carros. Talvez fosse isso que Pessoa quisesse dizer com "os beijos merecidos da Verdade".

20
Mai11

Adoro livros

jorge c.

No entanto, não os posso ler a todos porque tenho de encontrar tempo para a modernidade no meio disto tudo. Alguém precisa de se preocupar com o progresso. Daí que seria para mim impossível ajuizar da melhor forma todos os requisitos para atribuir um prémio como o Man Booker que se foca não apenas num único manual de inscrição na vida, mas sim num conjunto de obras na obra do autor. Não quero, no entanto, deixar de concordar histericamente com a atribuição do Man Booker 2011 a Philip Roth.

Não obstante acreditar que Roth é o melhor escritor vivo e para isso - vou fazer agora de Clara Ferreira Alves - bastar-lhe-ia ter escrito a Pastoral Americana e a Mancha Humana, o autor tem sido injustiçado numa série de prémios. Posso ser suspeito. Sou, mas isso agora não interessa nada porque é mesmo disso que vou acusar os outros.

Podemos ler aqui que um dos júris demitiu-se depois da atribuição do prémio a Roth. Uma mulher, pois então, por que será? A Sra. Callil não só acha que o assunto é sempre o mesmo (cenas de homem) como também é muito possível que não goste efectivamente do autor. Não deixa de ser giro. No outro dia, alguém desatou aos gritos contra a misoginia e o machismo de Vinicius de Moraes (nascido em 1913, já agora, num país tropical da América Latina), coisas que desgraçam logo toda a obra de um autor, que horror! Este pensamento pertence a quem não valoriza a literatura, a quem não quer saber da literatura, tendo apenas uma agenda demasiado pessoal (totalmente legítima, diga-se) incapaz de reconhecer a beleza ou a genialidade do que se lhe apresenta escrito. Coisas que respeito num ambiente próximo do miradouro da Graça, onde gosto de falar de poesia sem comprometimentos.

Quanto ao tema ser o mesmo... Quer dizer, como diz o meu amigo João Gaspar sempre que vemos um filme: "isto era sobre a condição humana". No limite, tudo é sobre a condição humana e esse será sempre o tema de eleição da maioria dos autores. A beleza de cada obra está na forma como o autor explora essa condição e nisso Roth foi sendo sublime, mesmo que a espaços.

21
Mar11

Notinha

jorge c.

 

Estou a ler Última Paragem, Massamá, do Pedro Vieira. Ainda só vou no 6º Capítulo e já acredito que isto das gerações é bem possível, pelo menos em referências e percepções. Qual Bret Easton Ellis, qual quê! Vieira is the real sugar!

14
Dez10

A arrogância da verdade

jorge c.

Em O homem que corrompeu Hadleyburg, Mark Twain conclui que alguém cuja honestidade nunca tenha sido posta à prova não pode saber se é honesto ou não. A arrogância das gentes daquela pequena cidade era, por conseguinte, suportada por um grande nada. No dia em que um homem lhes montou uma armadilha, caíram.

Por estes dias podemos encontrar uma nova forma de arrogância - a da Verdade. Pode concluir-se com facilidade que num jogo, como é o diplomático (Cairo, distante Cairo), o segredo é uma arte e que nem sempre a Verdade é a única carta a jogar. Porque a vida, da mais íntima à da sociedade global, não é algo simples e objectivo: ela depende de inúmeros factores que vão sendo jogados conforme as necessidades ou conveniências. Oh, sim - as conveniências!

Talvez Mark Twain gostasse deste tema dos Queens, pois mais do que ninguém via arte nas questões complexas e que aparentam sempre uma simplicidade medíocre.

 

08
Out10

Nobre vs Nobel

jorge c.

O Prémio Nobel da Literatura tornou-se uma espécie de Óscar do meio. A Academia (até nisto) não só tem trejeitos políticos como ainda faz uns fretes só para não ofender. Compreende-se a expectativa dos autores por esse lado comercial do reconhecimento. Mas o reconhecimento não está aí. Nas estantes das livrarias, nas revistas da especialidade, nas críticas nos jornais, nas mesas dos cafés, na boca das gentes encontra-se mais literatura e mais vida do que numa Academia sonsa e disciplinada.

Mário Vargas Llosa é um grande escritor há muitos, muitos anos. Não merecia que lhe fizessem esta desfeita.

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