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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

23
Jan14

uma ignorância letrada

jorge c.

As declarações do ministro da economia, António Pires de Lima, sobre a inadaptação da investigação centífica às exigências do mercado são um sintoma de uma determinada mentalidade que vai ganhando, cada vez mais, espaço na opinião pública, como um vírus. Para esta mentalidade, torna-se urgente transformar a relevância de uma matéria num equívoco simplista ao estilo ovo e galinha. Para qualquer mente mais esclarecida, não será difícil perceber que o conhecimento e a ciência são a origem do desenvolvimento. Qualquer resultado que hoje tenhamos, qualquer solução para um problema que se coloca à humanidade, parte de uma questão que é colocada. O exercício que pretendemos que nos conduza ao resultado final pode falhar. E nesse erro da investigação está, muitas vezes, o resultado em si mesmo. Até quando reflectimos sobre determinado assunto, podemos não chegar a conclusão alguma e esse ser, em si mesmo, um resultado. Ora, para aquela mentalidade, típica da nova-gestão, isto parece não fazer qualquer sentido, porque lhe parece inútil. O processo é inverso. Assim, serão os negócios que determinarão a utilidade (através da rentabilidade imediata) do conhecimento e da ciência. É como se a característica que distinguisse os seres humanos dos animais fosse a sua capacidade de bem suceder nos negócios e não a inteligência, e aqui voltamos à galinha e ao ovo. Começa por colocar-se uma falsa questão à sociedade: o que terá nascido primeiro, o negócio ou o conhecimento? Não adianta, neste ponto da discussão, lembrar sequer as mais importantes conquistas da investigação científica. Porque é esta mesma mentalidade que desvaloriza a constituição, os direitos civis, a cidadania, a História, a Filosofia, a Literatura ou a Biologia. Importa, contudo, questionar a sociedade sobre o que pretende para si: um mundo cuja última finalidade é o efémero crescimento económico (efémero porque não está ao nosso alcance controlar todas as suas premissas e, por isso, é passível de não acontecer) ou, antes, um mundo sem finalidade, que se constrói com solidez e se desenvolve harmoniosa e sustentavelmente.

15
Out13

uma república de bananas

jorge c.

Há uns anos, quando o mercado português deixou de responder aos objectivos das empresas e a crise das dívidas estrangulou o seu financiamento, Angola passou a ser um destino necessário. Com a arrogância dos países desenvolvidos, partiu tudo em comitiva, mas para beijar a mão de um novo padrinho que abria as portas do seu país. O deslumbramento criou uma dinâmica de curto-prazo que não percebeu que, um dia, a fonte secaria. Angola tinha um interesse e Portugal uma necessidade. Por mera lógica, percebia-se que havia tudo menos convergência de interesses. Primeiro, era o dinheirinho que já não podia sair de lá. Depois, o recrutamento passou a ser feito com exclusividade para cidadãos angolanos a estudar em Portugal. Mas, não, Angola é que estava a dar.

Agora, é o Presidente Angolano que vem dar por terminada esta "parceria estratégica" (expressão caricata). Mãos na cabeça e ai jesus.

Se tivéssemos um Presidente da República, um Primeiro-ministro e um Ministro dos Negócios Estrangeiros, esta questão estaria resolvida. Mas não temos. E, assim, tenho de concordar com um amigo que no outro dia me dizia que vivemos numa República de Bananas. Somos subservientes a um país que tirou proveito da nossa necessidade e fechámos os olhos a atentados a direitos humanos básicos.

É esta prevalência da economia global sobre a vida em sociedade, a vida política dos povos, que nos está a matar. E o Primeiro-ministro já nos veio alertar para a perda de soberania. Os bananas somos nós.

19
Jun13

portugal dos pequeninos

jorge c.

Fico sem saber se a Unicer acha que as pessoas são estúpidas.

Hoje, deparo-me com este vídeo (um viral! oh, um viral!). Passado um bocado, com este comunicado. Espantoso.

 

Vamos a factos. Podemos considerar isto Marketing de guerrilha? Podemos, apesar de eu não saber bem o que quer dizer Marketing de guerrilha e isto soar-me apenas correcto. E é feio. Em primeiro lugar, porque temos uma fraca prestação dos tribunais de concorrência em Portugal. Em segundo lugar, apesar deste vídeo ser limpinho (passa perfeitamente por ter sido feito por um fã), tem tiques de agência de comunicação. Tiques que podemos ver, aliás, naqueles vídeos virais do Turismo de Portugal e de Portugal vs. Finlândia, etc. Malta que é viciada em fazer virais. Tem a marca de água. E não estamos a falar, propriamente, de agências que façam trabalhinhos para pôr na conta da amizade. Resta saber se estamos perante guerra entre marcas, entre agências de comunicação ou entre ambas. Eu aposto todas as fichas na última hipótese. 

Hoje, muitas empresas portuguesas são detidas por capitais estrangeiros. A própria Unicer é detida, em 44%, pela Carlsberg. Usar este argumento é de uma insensatez tal, que é difícil imaginar a falta de realismo destas luminárias. Para além do carácter xenófobo e de patriotismo serôdio, sobre os quais não iremos perder tempo, agora.

Empresas-eucalipto como a Unicer e a CentralCer dão, nestas e noutras circunstâncias, um exemplo péssimo, uma imagem tenebrosa dos empresários portugueses e ajudam ao naufrágio da economia em Portugal, devido às suas estratégias pequeninas de gestão. Nestas guerrinhas de números, de quotas de mercado e de gestão cega, dezenas ou centenas de pessoas são demitidas; centenas de famílias ficam descalças. E tudo para um joguinho infantil de monopolização do mercado.

As agências de comunicação, por outro lado, é que percebem disto. O! Uns génios! Os vídeos virais e a internet e o raio que os parta. Não passa pela cabeça destas amibas que o consumidor não é estúpido e que não gosta que o tratem como estúpido. E, sabendo da inocência (ou da clubite) de algumas pessoas, promover este discurso é de uma irresponsabilidade que não merece qualquer respeito.

O que falta, sobretudo, é uma noção simples de ética. Uma coisa que não seja só dita nas conferências. Que se pratique.

21
Mai13

o nemesis de gonçalves

jorge c.

Eis um dos mais brilhantes momentos da nossa televisão. Um enxovalho como há muito não se assistia na história da humanidade. 

 

Eis um rapaz que, no entusiasmo da melhor idade, cria, age e projecta. Enfim, tem iniciativa. 

 

E eis a academia a expor a sua enorme incapacidade de adaptar a linguagem do crescimento económico, do desenvolvimento e da inovação. A academia, que tem por missão educar com o máximo de abrangência, a castrar, a censurar e a oprimir a capacidade de outrém empreender um projecto sem medos.

 

Raquel Varela é o nemesis de Miguel Gonçalves. Tem um discurso maniqueísta e preconceituoso. Para além disso, acha que o melhor que tem a perguntar a Martim Neves (16 anos e criador de uma marca aos 15) é sobre o valor salarial.

 

Martim Neves, aos 16 anos já terá, certamente, conceitos de work ethics muito mais integrados do que a Professora Doutora Raquel Varela alguma vez ambicionará encontrar. Terá de se confrontar com isso. Não é algo que lhe apareceu no desktop mas, sim, algo que advém directamente da sua iniciativa comercial - uma consequência da criação de negócio. O problema é que a questão da iniciativa é travada pela própria escola que encontra, logo, inúmeros entraves para apresentar. Neste sentido, a escola tem sido reaccionária e castradora, não respeita a iniciativa do indivíduo, seja ela comercial, política, científica ou artística.

 

No vídeo poderemos ver, então, o momento em que Martim Neves desmonta o comentário despropositado de Raquel Varela. Com a arrogância essencial para estes seus 16 anos (maravilhoso, maravilhoso), o rapaz explica à Professora Doutora que a sua visão é limitada, porque não vê que o elemento fundamental da criação de emprego é o crescimento económico. É claro que não se trata de mais valer receber o salário mínimo do que estar desempregado. Os baixos salários são um problema gravíssimo. Mas, Martim irá compreender isso, certamente, com a ajuda da Escola e da família. Num programa como este, o comentário é de um total despropósito e serviu, apenas, para se humilhar a si própria.

 

08
Abr13

uma pergunta inocente

jorge c.

Tenho andado a pensar nas declarações do Primeiro-ministro sobre o acórdão do Tribunal Constitucional. Uma elegância. 

Como, desde então, ainda não tinha recuperado os sentidos todos, não me consegui expressar até agora. Acontece que já tudo foi dito sobre este assunto, e passo apenas a destacar a carta aberta do Tiago Antunes ao Sr. Presidente da República.

Resta-me, apenas, uma questão: aqueles que, à semelhança de Pedro Passos Coelho, acreditam que o Tribunal Constitucional aprofundou a crise, tendo interferido na política do Estado, também se revoltaram contra as agências de rating e, em abstracto, contra os mercados?

Vou guardar para mim a diferença entre os dois tipos de instituição para não condicionar respostas.

16
Fev13

we can't rewind we've gone too far.

jorge c.

O CEO da SoundCloud cresceu num mundo em que se ensina a criar necessidades a partir das fragilidades nas personalidades. Talvez por ter crescido nesse mundo em que a linguagem do negócio e a dos conteúdos nem sempre converge, lhe tenha escapado uma canção que fez muito sucesso quando a Mtv dominava o mundo.

 

 

"Faz do teu negócio um sucesso". Mesmo que seja irrealista e ignorante, o gestor moderno sabe que as tendências se moldam, se transformam e que é possível influenciar pelo valor da marca. São coisas que foi lendo nos livros de auto-ajuda para os negócios, de forma a evitar uma depressão ou - sabe-se lá - a felicidade real. No entanto, como tudo na vida, a evolução dos meios tem uma lógica. Ora, essa lógica é que os consumidores querem estar dentro do conteúdo. 

No século XIX e no início do século XX, a música que conhecíamos era a que estava à nossa porta. A única coisa que circulava eram os músicos ou as partituras. O som, por si, não. Com as gravações, a música foi transportada para uma nova fase e o acesso aos seus conteúdos originais cresceu.

O vídeo veio dar ao mundo a imagem do artista tal como ele queria ser visto. Uma imagem trabalhada e produzida tal como o som. A televisão passou a ser o maior divulgador de música.

No final dos anos 90, a internet era já a ferramenta mais eficaz na divulgação de música e artistas. O All Music Guide, por exemplo, conheceu o seu maior sucesso mundial online. A maior e mais qualificada enciclopédia de música do mundo ganhou notoriedade que nunca teve com a edição em papel. Por sua vez, o Youtube trouxe a possibilidade da selecção de conteúdos que se mostrara impossível na televisão.

É certo que novos formatos surgirão e que novos meios terão a capacidade de abranger melhor a intenção artística dos autores e o voyeurismo dos fãs.

Mas é preciso não esquecer que hoje o consumo recai sobre o mediatismo e não sobre o valor da música. E é aqui que Ljung está enganado. Ele pode inverter a tendência da necessidade por uns tempos. Ganhará o seu quinhão. Mas nunca conseguirá resolver o grande problema da desvalorzação da música, da desculturização das massas em prol de um lucro ganancioso e irresponsável. Fomos longe de mais. 

06
Out11

A arte da possibilidade

jorge c.

Ben Zander falou, ontem, da Arte da Possibilidade. Talvez a palestra mais brilhante a que alguma vez assisti. No mesmo tópico: criatividade, liderança e felicidade. Tudo coisas em que acreditamos mas, o que fazemos por elas?

No mesmo World Business Forum, Bill Clinton dizia que os americanos ficam satisfeitos com o sucesso dos outos, que é bom os outros terem sucesso e que nós devemos fazer mais pelo nosso próprio sucesso em vez de ficar a olhar para o lado a resmungar.

Não vos falarei de Steve Jobs. Falarei, apenas, de como é maravilhoso que uma companhia alcance tanto sucesso com uma marca, que traga tantas melhorias para a tecnologia caseira, que inove tanto e inspire a mais inovação, ainda. Sim, talvez seja necessário ser controverso. Mas, quando a marca é assumidamente universal, a missão está cumprida e é, então, possível dar outro salto e outro salto mais e outro ainda e assim sucessivamente.

É isto que faz o desenvolvimento e não a reacção ressentida ao sucesso, à mudança e a toda a inovação que nasce das empresas e não do Estado; que é liderada por alguém que definiu para si mesmo, e por todos, esse lugar.

15
Ago11

Da função social das empresas

jorge c.

Ontem estive num almoço em que se falava de marcas, descontinuação de marcas, necessidades de inovação e carga fiscal. Não deixo de achar graça à forma como as empresas se auto-mutilam e depois ficam espantadas e nervosas com a consequência das suas políticas precipitadas. De há muito tempo para cá que foram as empresas que andaram a criar a necessidade no consumidor. Foram as empresas que, devido à necessidade de inovação, levaram o consumidor a viver de bens e produtos acessórios. O crescimento económico não pode, nem deve ser tão irresponsável.

A função social das empresas passa, também, por serem pedagógicas com o consumidor. A criação de necessidades mal equacionada poderá levar a que, mais tarde, o aumento dos impostos sobre o consumo seja um problema para todos (empresa e consumidor), as marcas pequem e morram por excesso e os produtos se tornem dispensáveis. As empresas não se podem esquecer que a sua natureza é social, que estão integradas num certo e determinado meio e que o seu objectivo (o lucro) não é obtido por obra e graça do Senhor. Por vezes, parece que se esquecem.

09
Jul11

Lixo

jorge c.

Ouvi há pouco Vitor Bento dizer que adjectivar as agências de rating, sem apresentar dados concretos que as contrariem, de nada vale. Os portugueses reagiram como se de um ataque patriótico se tratasse, mas não sabem se o seu Estado tem ou não capacidade para pagar a sua dívida. É verdade que as agências de notação financeira têm uma história recente que as descredibiliza. No entanto, ninguém nos garante que estamos em condições de responder às nossas responsabilidades. Sabemos que um plano de austeridade deveria acalmar os mercados ou, pelo menos, deveria dar-nos algum tempo para tranquilizar os nossos credores. Mas, também sabemos que esta austeridade é incompatível com o crescimento económico.

Os principais partidos portugueses têm-se atacado mutuamente, como se esta guerra fosse local, fosse entre a esquerda e a direita. Gente estúpida. O PS acusa o PSD de ter mudado de postura e de só agora criticar as agências de rating. O PSD acusa o PS de ter conduzido o país à bancarrota. Ambos ignoram a realidade.

Por um lado, o PS faz de conta que, enquanto esteve no governo, esteve sempre dentro do assunto. Ora, se o PEC 4 era o que estava no programa da troika, então o PS também aplicaria austeridade e esse mesmo PEC significava que os socialistas também não estavam seguros da capacidade de resposta. Seguindo uma política de austeridade, os socialistas também iriam travar o crescimento (que é o que defendem), mas certamente continuariam a discursar sobre "o problema sistémico do euro" como se nos últimos 6 anos não estivessem no governo e, como tal, dentro da discussão europeia. Conversa fiada e desonestidade intelectual - bem-vindos ao partido mais sectário do país.

O PSD na sua total ignorância das questões internacionais, como se viu ao longo da campanha, em que nem sequer no assunto tocou, vem agora abrir a cara de espanto por causa das agências que tanto o ajudaram a chegar ao governo. As reacções que se ouviram por aí são de uma indignação patriótica bacoca, serôdia, e de total incompreensão do que se está a passar. Bem-vindos ao partido menos preparado para governar do país.

Sei muito pouco de matéria financeira e económica. Mas, há uma coisa que ainda sei fazer: juntar dois mais dois. 

22
Mai11

O costume

jorge c.

A inexistência de um único vinho da Sogrape nesta peça é reveladora de duas coisas: preconceito e ignorância arrogante. Durante anos, em Portugal, o hiato entre os vinhos caros e os vinhos baratos era o mesmo entre os bons e os maus e era profundo. Empresas como a Sogrape equilibraram o mercado e apresentaram vinhos bem feitos e competentes a preços acessíveis. Pela primeira vez, e só aí por meados dos anos 90 ou até mais tarde, é que se começou a falar do conceito de "relação qualidade/preço" porque só empresas grandes tinham uma mentalidade mais evoluída e não tão familiar. O alentejano deixa de ser o vinho de eleição nas jantaradas da rapaziada ("olha uma de Monte Velho, que pomada!") e o Douro começa a entrar e a tomar território. Por causa dos vinhos que estão naquela lista? Não, por causa do Esteva.

Muito mais haveria para dizer sobre esse preconceito. Até com vinhos de topo isto acontece. Temos má crítica de vinhos, um mercado desconhecedor (a mudar, é certo) e excessivamente influenciável. Temos uma cultura vinícola fraca e queiroziana - superficial e fútil. As revistas de vinhos são pagas para destacar certas marcas e quem não o faz não entra. Os retalhistas ou não pagam ou competem a preços inadmissíveis, negociando muitas vezes abaixo do preço de custo e interferindo desse modo na concorrência directa do produto. Tudo isto é relevante para nós, consumidores. Mas o Fugas do Público prefere fazer artigos parciais. Já estamos habituados. É o costume.

 

 

Nota: Este post é escrito com um disclaimer já que o seu autor tem uma relação próxima com a Sogrape. Era só para avisar.

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