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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

14
Jun13

o provador de venenos

jorge c.

O último jornal em papel que comprei foi o Jornal de Negócios, à terça-feira. Na altura, estava num emprego demasiado aborrecido e o mundo estava a mudar a uma velocidade vertiginosa. Como não percebia (e não percebo) nada de finanças e economia, resolvi socorrer-me da coluna que o João Pinto e Castro escrevia para o Negócios. Raramente concordava com ele. Mas, uma coisa era certa: podia contar com a seriedade do JPC, com factos e com debate de ideias. Ler o João ajudava-me a pensar.

Foi assim, primeiro na blogosfera e, mais tarde, no twitter. O JPC trazia sempre elegância. Tinha um gosto musical extraordinário, era cultíssimo e dono de uma arrogância necessária para estabelecer fronteiras.

Apesar de termos trabalhado no mesmo sítio durante 2 anos, nunca chegámos a conviver. Não fazia sentido. Ou se calhar fazia mas, o problema desta merda toda é que não há tempo.

Até já.

16
Ago11

A Herança

jorge c.

 

Contam-se muitas histórias e mitos no mundo do Fado. Muitas delas sobre figuras que tornaram o Fado mediático: Amália, Marceneiro, Lucília do Carmo, Maurício e muitos outros. Mas, há personagens que habitaram a vida do Fado bem por dentro e que ficaram sempre na sombra dessas glórias.

Há alguns anos, contava-me um amigo que certa vez, numa casa de fados em Lisboa, questionava o Mestre Fontes Rocha sobre aquilo que estava a ensaiar naquele momento. Era uma malha de guitarra muito bonita e um pouco diferente da estrutura tradicional. Respondeu-lhe o Mestre Fontes que tocava aquilo "no compasso do Bolero de Ravel".

Era um músico extraordinário, de uma criatividade invejável. Saído do conjunto do velho Nery, destacou-se ao lado de Amália Rodrigues e, juntamente com Oulman, ajudou a dar ao Fado uma nova roupagem que o levaria a palcos nunca antes pisados por estes músicos populares, a outros mundos.

Deixou a maior de todas as heranças - um neto que é, hoje, um dos artistas maiores da música portuguesa; um erudito de seu nome Ricardo Rocha.

Morreu ontem, o velhinho Fontes, Mestre do Fado, uma história dentro de outra história.

 

09
Jul11

Não há tempo

jorge c.

Quando as referências começam a desaparecer, começamos a temer que algo de bom se perca, uma orientação, uma estrela. Há qualquer coisa de espiritual nas nossas referências. Olhamos para elas como criaturas abençoadas pela clarividência ou pela transcendência. E, nesse sentido, tem sido uma semana negra.

Hoje, vejo partir um homem que muito me ensinou. Mais do que a música que fez, da qual não sou propriamente um fanático, Jorge Lima Barreto foi o meu guia espiritual na compreensão da música, da sua história, da sua estrutura, da sua estética e da sua sociologia. Foi ele que me ensinou a pensar na música popular como um fenómeno sociológico e a abstrair-me dos hypes e dos underdogs para identificar aquilo que é verdadeiramente criativo.

Da sua obra, destaco a Anarqueologia do Jazz e Rock & Droga. Nestas duas obras compreendemos a importância da música popular na cultura civilizacional contemporânea. Lima Barreto foi um visionário e, mais do que isso, um pedagogo, apesar de incompreendido e pouco divulgado. Dizia-se que os eruditinhos da musicologia tinham renegado Lima Barreto por não considerarem a música popular contemporânea uma arte digna de ser estudada. Se assim foi, perdemos todos muito com essa ignorância e preconceito. Mas mais perdemos com o desaparecimento desta figura ímpar da nossa cultura, o eterno companheiro de Vitor Rua por esses becos sinistros e obscuros da música, da estética... enfim, da arte.

Não há tempo.

07
Jul11

Referências

jorge c.

Nasci numa terra maioritariamente comunista. Cresci numa pequena vila no concelho de Matosinhos, socialista, que mais tarde se tornaria cidade. Durante a minha adolescência, a tendência política da minha geração (e não só) era a esquerda. Ser de direita era difícil. Nessa fase queremos e procuramos sempre uma irreverência que provoque os mais velhos e juntamo-nos em bando porque confundimos ideias e convicções com descontentamento pessoal e com a legítima inquietação da idade. Ao contrário da opção dominante, educado num universo social-democrata, mesmo na estrutura e conduta familiar, nasci na direita e aí me cultivei politicamente. Estive muitas vezes sozinho. Quase sempre. Mais tarde encontro dois amigos, o David e o Ricardo, com quem partilharia a mesma opção. Mas, nos momentos de solidão política questionei muito as minhas convicções. Não queria que fossem aquilo que combatia dentro da minha geração: uma irreverência fútil e uma confusão de ideais e um afastamento desmesurado do interesse nacional. Foi nessa altura que descobri algumas das figuras que passariam a representar, para mim, o ser-se de direita. Eram figuras de uma enorme independência e com manifesta vontade de servir a causa pública; exemplos de cidadania e de solidariedade e, sobretudo, pessoas intelectualmente honestas que discutiam fora do lugar comum e do pensamento único. Uma delas, Adriano Moreira, havia sido ministro de Salazar. A outra, Jaime Nogueira Pinto, um seu fiel defensor. A terceira pessoa era uma mulher, uma mulher forte e segura das suas convicções. A sua dedicação e coragem fascinavam-me. Ensinou-me a não ter medo, essa senhora extraordinária. Aprendi com estas três pessoas, sem nunca me ter cruzado com elas, a não ter vergonha ou medo de assumir aquilo em que acreditava, mesmo que isso não fosse respeitado. Agora, eu sabia que também tinha lugar dentro de uma democracia monopolizada pelos ideais de esquerda e que era preciso combater todos os dias, num jogo sempre limpo, leal e honesto. Penso muitas vezes nestas três pessoas que serão sempre a minha maior referência na política portuguesa. Morreu Maria José Nogueira Pinto e eu estou muito triste.

28
Mai11

Morreu um poeta

jorge c.

Podemos dizer que todos os poetas, no fundo, são revolucionários. Uns mais do que outros. A poesia tem a força que mais nenhuma literatura tem: a de nos marcar o seu próprio ritmo encrostando-se visceralmente na mais profunda das intimidades. O reforço do ritmo e de uma breve nota persistente podem desencadear a libertação, nem que seja de uma pobre alma estafada. Mas, nada mais é preciso muitas vezes que a assertividade do spoken word, mesmo que alcoólico, mesmo que velho e arrastado. E quando um poeta morre essa revolução interior fica comprometida. Não mais lhe ouviremos a prece.

Morreu o Gil-Scott Heron.

 

30
Mar11

É assim, a vida

jorge c.

 

Estas coisas padecem sempre de uma ironia que acaba por nos confundir. O sentido da vida e outros contos; Deus, 2011. Tem um ar de obra continuada, prolongada e consistente. É uma prática reiterada da linha editorial do Além que deixa a malta do Aquém ansiosa e à espreita, não vá o Diabo tecê-las. É sempre assim, uma no cravo e outra na ferradura. E um tipo tem de andar alerta. Razão têm os escoteiros, mas isso são outros quinhentos.

Na mesma semana em que Souto de Moura é premiado com o grande galardão da Arquitectura, vai de falecer o seu fiel amigo e conterrâneo por opção, o grande Ângelo de Sousa. E não deixa de ser curioso que a última vez que os ouvi estavam juntos a falar daquele edifício ali, em Veneza, e na forma como surpreenderam tudo e todos com o seu original estaleiro. Coisas que levamos para a nossa tumba, de alma lavadinha. Não há bela sem senão.

29
Jan11

au revoir, zé pedro

jorge c.

Nunca nos conhecemos. Há quase dois anos que nos namorávamos de post em post, de dedicatória em dedicatória. Era como um velho amigo, mas um amigo de letras, da bondade e da beleza das frases. Cultivei por ele um respeito e uma admiração difíceis de acontecer sem uma relação pessoal. Tal como eu, gostava dos pormenores dos despropósitos e via o que a cortina escondia da grande cidade. Sempre sem rancor. Talvez por isso não encontre melhor canção.

 

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