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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

17
Jun14

o ano da morte de josé saramago

jorge c.

Durante alguns anos, a blogosfera foi um passeio público de manifestações deslumbrantes e inovadoras. Revelou centenas de bons escribas e catapultou boa e má gente para a comunicação social. Se quisermos, a blogosfera refrescou o panorama cronista. Por outro lado, tornou-se num espaço insuportável, juntamente com outras redes sociais, e em particular nos últimos 5 anos, de disputa política. Os blogs colectivos de política, devido ao seu sectarismo e spin competitivo, mataram a personalidade inovadora que os bloggers conferiam a este espaço. A reflexão perdeu para a opinião, o pensamento perdeu para o impulso, o humor perdeu para a fanfarronice, o conhecimento perdeu para a informação privilegiada, a inteligência perdeu para o cliché rápido que a velocidade da rede acaba por disfarçar de originalidade, a literatura perdeu para o soundbite.

Talvez por isso, e por ter tentado seguir outro caminho, este blog tornou-se anacrónico, aborrecido e, de certo modo, pretensioso. Foi, durante estes anos, o meu espaço para exercícios de reflexão sem querer combater opiniões. Por breves instantes, isso foi conseguido e o seu autor  foi crescendo um pouco mais. Porém, chegou agora altura de seguir outros registos. Encerra-se com alguma resignação sobre a forma triunfadora de pensar a política. É ressentimento, claro, e bem profundo, não o nego. Por vezes parece que estamos a ver fantasmas e, para não parecermos loucos, o melhor é sairmos como Adão e Eva do Paraíso Perdido, sabendo que loucos são os outros dois que ficaram no mais vil jogo maniqueísta.

Até à vista. 

 

22
Mai14

os que te querem bem

jorge c.

Há uns anos, Brian Warner foi acusado pelos movimentos conservadores americanos de ser um dos responsáveis pelo famoso massacre de Columbine, porque os seus autores seriam seus fãs. Warner explicou, na altura, que o problema nuclear estava na política de uso e porte de arma nos Estados Unidos e não na sua música. Ao longe, será fácil compreender o artista e defender a irreverência e o seu estilo. Entende-se o que é uma manifestação artística se formos ao seu encontro e não nos deixarmos impressionar pelo primeiro impacto.

Talvez seja mais óbvio se eu disser que Brian Warner é, também, Marilyn Manson. A própria escolha do seu nome, bem como dos outros elementos da banda, foi feita com base numa dialética: a beleza e o sonho americano representados pelo icon Marilyn Monroe e o lado negro da condição humana representado pelo tenebroso Charles Manson.

Em Portugal, há cerca de 25 anos, conhecemos uma personagem muito semelhante. Adolfo Luxúria Canibal é um artista reconhecido não só pelos seus pares mas, por todos os que pararam para o ouvir dentro e fora do palco. Quem o fez teve a oportunidade de perceber como é possível encenar rock'n'roll. Lembro-me bem quando no início da década de 90, a propósito do sucesso de Mutantes S-21 - o seu disco mais mediático -, o aparecimento de Adolfo nos media provocou um choque nas almas mais sensíveis. Ai que nome horroroso! Era natural, num país ainda massacrado pela falta de percepção artística e ainda receoso do avant-garde, que se estranhasse toda aquela mise-en-scéne dos Mão Morta. Mas com o passar do tempo, e em particular com o extraordinário Müller no Hotel Hessischer Hof, o país foi percebendo o artista e passou a respeitá-lo. Adolfo contou um dia uma história caricata. Já muito depois de Mutantes S-21 ser lançado, foi confrontado com um fã que tinha visitado as cidades descritas nessa obra-prima porque - e passo a citar - "não viu nada daquilo". O artista tentou explicar que o disco era sobre experiências individuais e era, fundamentalmente, uma obra artística inspirada nas cidades e no ambiente que ele teria sentido aquando de viagens feitas na sua juventude.

Em 2014 há quem ainda prefira apostar na literalidade e nos processos de intenções. Nunca esperaria isso, porém, de Ferreira Fernandes e fiquei muito triste quando li esta crónica. Não me espantaria que gente que lê por obrigação ou por entretenimento fizesse um juízo tão básico; gente que nunca entrou num teatro ou viu um filme sem se queixar da "falta de história"; gente que olha para Pollock e vê rabiscos; gente que diz que o jazz lhe faz confusão aos nervos; que a poesia é coisa de maricas e lamechas. Não, não é esse o tipo de pessoa que vejo em Ferreira Fernandes. Mas, hoje, muito sinceramente, pareceu. E foi horrível.

 

 

13
Mai14

do ódio ao desconhecido

jorge c.

Será com muita dificuldade que um programa de debate na televisão consiga esclarecer alguém para lá da mera heurística sobre qualquer matéria. O de ontem, sobre a tauromaquia, não foi excepção. Para além de ser um tema de guerrilha urbana, é um assunto complexo, que envolve factores culturais e identitários endógenos. A ancestralidade do culto tauromáquico não nos merece a leviandade de uma discussão pouco esclarecida e ainda menos esclarecedora.

Se é verdade que a tradição não legitima qualquer actividade por si só, não é menos verdade que o progresso não tem de ser o estrangulamento daquela, a tábua rasa da história dos povos. E se muitas vezes o conservadorismo ganha contornos reaccionários, pouco esclarecidos, também acontece o progressismo exceder-se em tiques pós-modernistas, sem referências, sem cultura, cínico e alimentado por uma ideia de urbanidade que ignora a vida no campo.

A diferença entre as duas vivências é abissal. A espiritualidade que advém de cada uma tem origem em fenómenos identitários dissonantes que apenas se reúnem num mesmo indivíduo cuja sensibilidade foi sendo preparada ao longo do seu próprio desenvolvimento. Não quer isto dizer que tal faça de alguém mais ou menos sensível, melhor ou pior. Quer antes significar que há, por vezes, mais disponibilidade para observar o mundo.

O grande problema da pós-modernidade é, precisamente, a urgência, a efemeridade, a falta de tempo para contemplar e reflectir, para compreender, discernir e, sobretudo, para sentir. Não conseguindo compreender, opta-se pela tentativa de destruir. É esse o génio da multidão, como diz o grande Bukowsky.

 

15
Abr14

sempre!

jorge c.

Aproximam-se as comemorações dos 40 anos de 25 de Abril Sempre Fascismo Nunca Mais! Ainda que tímidas, ou resignadas à letargia dos dias que passam, já se vão vendo algumas iniciativas. É pouco, pensamos. E sente-se um clima de saudosismo aterrorizador. Pergunto-me se a maioria sente o peso da liberdade, o que é que isso significa. Porque não acho normal considerar-se que a economia deve prevalecer sobre a liberdade. A verdade é que houve uma cedência ao populismo dos partidos do governo e a todo o discurso contra a legitimidade do bem-estar e da qualidade de vida que conquistámos lentamente. E um dos pontos em que se sente aquele saudosismo aterrorizador é no argumento desvalorizador da própria revolução. Tem-se ouvido dizer que não é uma revolução do povo, que só serviu interesses corporativistas, etc. Ora, esta tentativa de desvalorização é perigosa porque manipula a história com um objectivo evidente. De facto, a revolução foi executada por militares. Mas, foi do sacrifício pessoal, familiar, político e colectivo de milhões de pessoas durante 41 anos que reunimos as condições para reivindicar um regime democrático, justo, equitativo, nobre e digno. E ainda depois da revolução, foi da conquista diária do respeito pela dignidade que se fez a democracia e se celebrou a liberdade, a igualdade e a fraternidade dentro de casa, no trabalho, no género, nas identidades, nos cafés, nas associações, nos partidos e em tantas outras coisas que só a ignorância e o obscurantismo podem fazer esquecer.

Por isso, celebremos essa liberdade. Sempre.

25
Jan14

a praxe está morta

jorge c.

O acontecimento da praia do Meco trouxe, mais de um mês depois, uma discussão sobre o movimento académico e sobre a praxe. No meio da revolta e da incompreensão, surge um aproveitamento do caso para destruir a praxe. Julgo que não será preciso. A praxe está morta. A praxe académica é, hoje, uma prática anacrónica nos moldes em que é executada. Já o era no meu tempo, mesmo tendo defendido a sua relevância na altura. As críticas apontadas são, assim, na sua maioria, válidas mas, muitas vezes, injustas.

Para uma crítica ao movimento académico praxista é preciso, em primeiro lugar, conhecê-lo. Isso não acontece. A opinião pública dominante neste assunto é, essencialmente, lisboeta e projecta aquilo que vê, como seria de esperar, dentro da sua perspectiva subjectiva de urbanidade. A praxe em Lisboa não é um exemplo para nada. É, aliás, muito pouco urbana e desenraizada. Até a coisa mais simples como pintar a cara de alguém é uma acção não permitida na praxe do Porto, por exemplo. Portanto, não se trata de uma generalização justa.

A diabolização da praxe, em abstracto, acaba por alcançar um certo tom demagógico, principalmente depois de uma tragédia daquela dimensão. Não podemos, no entanto, desvalorizar o acontecimento do Meco. Ele diz-nos que há algo que não faz sentido. O silêncio da comunidade praxista, a nível nacional, diz-nos, aliás, muito sobre o desconforto que é vivido no seu meio. É um desconforto provocado por um choque de realidade, o choque de que o secretismo da praxe para a prática de actos agressivos de team building (aquilo que a praxe é, em bom rigor) pode ter consequências graves e que, fechados na sua própria realidade, deixam de discernir entre o que está certo e o que está errado. 

É importante termos esta discussão. É importante que se opine sobre adequação de tal prática à sociedade actual. Mas, essa discussão é importante para esclarecer as consciências e não para decidirmos se proibimos ou não. Proibir o quê? Para além do ódio, que já vinha de trás. é preciso parar para pensar. 

23
Jan14

uma ignorância letrada

jorge c.

As declarações do ministro da economia, António Pires de Lima, sobre a inadaptação da investigação centífica às exigências do mercado são um sintoma de uma determinada mentalidade que vai ganhando, cada vez mais, espaço na opinião pública, como um vírus. Para esta mentalidade, torna-se urgente transformar a relevância de uma matéria num equívoco simplista ao estilo ovo e galinha. Para qualquer mente mais esclarecida, não será difícil perceber que o conhecimento e a ciência são a origem do desenvolvimento. Qualquer resultado que hoje tenhamos, qualquer solução para um problema que se coloca à humanidade, parte de uma questão que é colocada. O exercício que pretendemos que nos conduza ao resultado final pode falhar. E nesse erro da investigação está, muitas vezes, o resultado em si mesmo. Até quando reflectimos sobre determinado assunto, podemos não chegar a conclusão alguma e esse ser, em si mesmo, um resultado. Ora, para aquela mentalidade, típica da nova-gestão, isto parece não fazer qualquer sentido, porque lhe parece inútil. O processo é inverso. Assim, serão os negócios que determinarão a utilidade (através da rentabilidade imediata) do conhecimento e da ciência. É como se a característica que distinguisse os seres humanos dos animais fosse a sua capacidade de bem suceder nos negócios e não a inteligência, e aqui voltamos à galinha e ao ovo. Começa por colocar-se uma falsa questão à sociedade: o que terá nascido primeiro, o negócio ou o conhecimento? Não adianta, neste ponto da discussão, lembrar sequer as mais importantes conquistas da investigação científica. Porque é esta mesma mentalidade que desvaloriza a constituição, os direitos civis, a cidadania, a História, a Filosofia, a Literatura ou a Biologia. Importa, contudo, questionar a sociedade sobre o que pretende para si: um mundo cuja última finalidade é o efémero crescimento económico (efémero porque não está ao nosso alcance controlar todas as suas premissas e, por isso, é passível de não acontecer) ou, antes, um mundo sem finalidade, que se constrói com solidez e se desenvolve harmoniosa e sustentavelmente.

22
Jan14

das elites

jorge c.

Este interessante texto ilustrativo de uma determinada realidade levou-me a outra matéria, mais abstracta, sobre a qual venho a pensar há algum tempo. O texto foca-se numa circunstância muito localizada. Fala-nos de uma elite lisboeta que nasce de uma perspectiva ideológica e/ou político-partidária. Algo muito específico. A ideia que isso me provoca é outra, mais ampla. 

Não sei definir o nascimento de uma elite. Haverá, certamente, um elemento identitário, depois um elemento mobilizador e uma liderança. Com o tempo, passa a existir apenas uma massa mais ou menos compacta e fechada em si mesma. O que me leva aqui à forma inconsequente e onanista da formação das elites, do seu carácter intrinsecamente fútil. Mas será que quando falamos de elite falamos do seu significado original ou estamos apenas a referir-nos a grupos elitistas? Sem possibilidade de consultar a outro dicionário, recorro ao Priberam e encontro, numa das definições, a minha resposta: "Minoria social que se considera prestigiosa e que por isso detém algum poder e influência". É a esta definição que me vou referir. 

O prestígio é um elemento exclusivamente psicológico. Significa isto que é instalado na percepção das pessoas e funciona como um vírus, não derivando de razões práticas muito concretas ou, até, de virtudes específicas. Neste campo de abstracção, surge um espaço para um desejo de pertença meramente estético e que vai criar uma marca influenciadora. É este espaço que dará a ideia de prestígio. 

Podemos observar algumas das elites que se espalham pelo país, umas mais compreensíveis do que outras: a elite política urbano-burguesa lisboeta, bem descrita no texto de António Araújo quando este se refere à mistura ideológica em determinado contexto social; a elite académica de Coimbra e de Lisboa; a elite burguesa portuense da Foz e da Boavista; a elite empresarial de Braga ou de Aveiro; a elite aristocrata do Ribatejo; a elite proprietária alentejana. Todas estas realidades minoritárias criam dentro de si o fenómeno da exclusão, da antipatia e, de certo modo, de alguma soberba, criando a ideia de um espírito sofisticado e esclarecido que os demais são incapazes de atingir. A reclusão destas elites dentro de si mesmas acaba por gerar uma dinâmica acrítica e com pouca correspondência no real. Em alguns casos ganha contrastes corporativos. Semper Fi. A abertura ao real acontece, muitas vezes, apenas pela necessidade ou pelo calculismo, regressando muito rapidamente ao movimento original. 

O fenómeno das elites é um dos mais interessantes de uma sociedade moderna. Tal como no referido post do Malomil, é sempre difícil reflectirmos assertivamente sobre a sua evolução nas plataformas contemporâneas. Contudo, atrever-me-ia a dizer que há hoje uma elite online, que já se formou a partir de uma outra mais dispersa, entre jornalistas, políticos, publicistas, alguns (não muitos) artistas e gente nova que surgiu devido à diversidade dos meios, provinda dos blogs. A característica nuclear das elites está lá: é sedutora e aliciante. Mas como todas as elites, ela tende a fechar-se sobre si mesma, resguardando-se numa estética, agora muito mais abstracta mas que, com o tempo, vai se tornando mais clara. A sua grande inovação é, ainda assim, a diversidade pós-ideológica, conferindo-lhe um tom snob muito interessante e a sensação de uma falsa abertura. 

Ao mesmo tempo, assistimos ao fim de outras elites que, por falta de actualidade, acabaram por ser vítimas da sua reclusão e se extinguiram ou se dispersaram, misturando-se noutras elites.

 

20
Jan14

lealdade

jorge c.

Por suprema ironia foi Teresa Leal Coelho, figura próxima do Primeiro-ministro, que em consciência faltou à votação sobre a proposta de referendo aprovada na passada sexta-feira e que se demitiu da direcção da bancada parlamentar. Teresa, leal a Coelho, compreendeu que a sua lealdade deve-se primeiro ao país, à democracia representativa e às instituições democráticas. À jogada mesquinha e perigosa do líder da bancada parlamentar do PSD, com a conivência do presidente do partido, reagiram outro(a)s deputado(a)s com declarações de voto, após votarem favoravelmente por imposição de disciplina de voto, violando assim a sua própria consciência e a lealdade ao povo que representam e que lhes confia a maior diligência no desempenho das suas funções. Ora, por mais incompreensível que seja a imposição de tal disciplina em questões de consciência e não instumentais, exige-se que prevaleça sempre essa lealdade e responsabilidade com a confiança do eleitorado. Não está aqui em causa estar ou não de acordo com a matéria. O que está aqui em causa é repudiar o procedimento.

20
Jan14

silêncio

jorge c.

Um pacto de silêncio que omite uma relação perversa que um indivíduo tem consigo próprio e com os outros não é algo que deva passar despercebido. Foi esse o pacto de silêncio que encobriu crimes de guerra, que encobre abuso sexual de menores, corrupção entre muitas outras questões que são, antes de mais, um problema que cada um de nós tem consigo mesmo. Em Nuremberga disseram que cumpriam apenas ordens.

A relação que o individuo tem consigo mesmo é um reflexo daquilo que ele acredita que a sociedade exige dele: integração, pertença, partilha de interesses e, fundamentalmente, sucesso ou reconhecimento inter pares. A questão que se levanta é se esta pressão do exterior está só na cabeça do indivíduo ou se ela existe, de facto, como uma imposição tolerada. 

Julgo que não é na proibição da praxe académica que está a solução para um problema maior. Mas, uma vez mais, depende das perguntas que quisermos fazer. 

 

 

Devo esta pequena discussão ao meu amigo e fiel interlocutor Eduardo Sardinha. 

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