Eurico
Conheci o Eurico há cerca de 15 anos num dos périplos pela baixa em busca de cordas, palhetas e quejandos. A Musicarte era logo a primeira. Saíamos na paragem da Pr. República e entrávamos por lá adentro, com ele sentado e o cão por ali deitado ao lado, às vezes a meio da loja, com um ar demasiado sossegado. O ambiente era sempre sinistro, com um cheiro a mofo que nos deixa logo desconfiados da qualidade dos instrumento e a humidade sempre a estalar as paredes e as caixas de cartão. Deixava-nos mexer em tudo. "No que não podem mexer também não conseguem". Ninguém gostava dele. Era o velho. Depois, mais tarde, já nem parávamos lá e seguíamos directamente para a Rua Formosa, que era onde tudo se passava - a cena urbana, enfim. Acho que houve ali um período em que aquilo não corria lá muito bem. Eu ia lá às vezes sozinho falar com ele. Fazemos anos no mesmo dia. Nunca se queixava muito, mas lá tinha os seus momentos do "isto agora é tudo uma cambada, só querem os Nirvanas e não sei quê".
Lembro de, em miúdo, ter aqueles livros para estudar teclas. Era uma seca. A malta queria era rock, agora cá tocar teclinhas mais a merda das músicas de bolso. Mais tarde, descobri que ele era O Eurico Cebolo. O mesmo que escrevia aquelas novelas grotescas maravilhosas que foi mostrando sempre num tom sarcástico demasiado delicioso para não se gostar daquilo. Da última vez que lá passei, aí há uns 3 anos quando saía de casa de uma amiga que por ali morava, não estava. "Foi tratar de uns assuntos ao Marquês. O que era? Diga o que precisa que aqui todos tratamos de tudo". Não tratam nada. Não tratam de nada com aquela coisa que distingue os homens: a magnitude. A do Eurico é uma magnitude popular, de bairro, serena e discreta. Sentei-me ao lado dela muitas vezes.