A confiança em nós próprios
Sobre o despropósito de uma crise política neste preciso momento já citei o artigo de Pedro Santos Guerreiro há uns posts atrás. Julgo que não será necessário dizer mais nada. De leitura obrigatória será também este excelente post do Paulo Pinto - uma análise lúcida e equilibrada como pouco ou nada se tem visto. Pouco mais há a dizer, também.
É verdade que este assunto agora passará apenas para os compêndios da História ou para os arquivos dos mais combativos como argumentário de arremesso. O que importa agora são as eleições, a campanha, enfim... está-se mesmo a ver o filme. Não nos bastava já o risco de agravamento da situação económica do país, ainda vamos ter de assistir a uma trágica guerra civil entre as tropas sedentas de sangue - uma guerra civil larvar, como um dia ouvi Irene Pimentel dizer.
Contudo, não posso deixar de relevar o que aconteceu ontem, no sentido do que significa para a nossa democracia. Guerras à parte, uma crise política não pode ser inevitável quando se está no momento fundamental para restabelecer a confiança do exterior no país. Dê por onde der, o país tem de saber unir esforços mesmo com uma governação de que não gosta. O que é também muito relativo, visto que este foi o Governo eleito há um ano e meio. Mas, já lá vamos. Importa primeiro perceber que o problema da crise portuguesa é hoje um problema da confiança dos nossos credores na nossa capacidade enquanto devedores. A confluência de esforços é, nesse sentido, fundamental. Não pode o Governo ignorar as instituições representativas dos portugueses, nem o Parlamento confundir um instrumento crucial de restauração de confiança com uma moção de censura.
O Governo é eleito para tomar as decisões que achar convenientes para a prossecução do interesse nacional. O Plano de Estabilidade e Crescimento não é passível de ser votado na AR, é um compromisso que temos com a UE e cabe ao Governo tomar as medidas que achar adequadas à sua concretização. Foi este o Governo que elegemos para tal quando todos já sabíamos que estávamos perante uma crise grave.
É certo que nem só de actos eleitorais se faz a democracia. Mas, num momento tão delicado como é este que vivemos, valores mais altos se levantam, dir-se-ia.
O que aconteceu ontem foi um total desrespeito pelos resultados eleitorais, pela vontade soberana do Povo. O que aconteceu ontem foi confundir a vontade de mandar Sócrates embora com a necessidade de mostrar coesão nacional em nosso próprio benefício. Estamos agora mais perto de nos tornarmos um império de ressentidos, abertos cada vez mais à demagogia que nasce nas ruas com a irresponsabilidade de quem não compreende as regras do jogo nem quer compreender; de quem não se esforça nem admite que os outros o façam. Este foi só o primeiro passo para afundarmos a confiança em nós próprios.