A propriedade na esquerda
O discurso de José Pedro Aguiar Branco na sessão solene para celebrar o 25 de Abril na Assembleia da República tem recebido vários elogios dos partidários do bloco central. É natural. Aguiar Branco é um dos políticos que mais representa essa facção. Cheguei mesmo a dizer por aqui que era aquele que, bem compreendido, agradaria mais ao eleitorado tendencial do PSD, não obstante a sua falta de carisma. O discurso tem, no entanto, duas partes. Uma parte destinada a chocar e a confrontar um certo monopólio ideológico e uma outra parte a manifestar uma opção política marcando, ou tentando marcar, o território do PSD. Neste sentido estou totalmente de acordo com o que diz o Pedro Picoito. Uma coisa é tentar provocar o desconforto abrilista perante o conceito de liberdade, outra coisa é procurar a confusão ideológica.
O PSD é um partido que não sabe muito bem o que é. Há umas semanas atrás ouvi numa sede de concelhia o Presidente da Câmara do Marco de Canaveses, Manuel Moreira, dizer que a matriz ideológica do PSD era o centro-esquerda. Eu compreendo que esta conversa de saco seja comum em períodos eleitorais, mas tenho de discordar, lamento. Daí que aquilo que o Pedro Picoito diz em relação aos "conceitos ideológicos" faz todo o sentido.
Já em relação à parte da confrontação com o monopólio da revolução, Aguiar Branco tocou num ponto bastante importante que é o paradoxo da liberdade que a esquerda propagandeia. Mesmo na esquerda mais moderna esse paradoxo existe em grande escala. Veja-se o caso da distribuição de preservativos na visita do Papa ou as acusações de homofobia na discórdia com o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esse é, aliás, o tema deste interessante texto na plataforma da direita moderna Modern Conservative. O mal-estar que isto provoca em certa mentalidade é grande porque denuncia uma tendência da esquerda moderna - o emocionalismo burguês na ideologia - e que conhece a sua origem no radicalismo do início do século XX que, felizmente, foi vencido pela sensatez.
No fundo, há muita gente que engoliu em seco. E daí se calhar não, tal é a dificuldade em retractarem-se. Estranho tempo este que vive a democracia.