impressões de um desastre
Desce-se a cidade por qualquer motivo. Pelo meio dos prédios e dos semáforos, a vida das pessoas, num sábado de correrias, é um desafio a quem pouco tempo tem durante a semana para parar e olhar. Onde estão todos os olhares? Estamos ali, na nossa vida, longe da poesia e do calçado ligeiro. Desce-se, então, a cidade. A poesia está na rua: no meio dos jardins, nos beijos dos amantes, nas folhas caídas, nos bichos irreverentes, no estacionamento gratuito. Viva a urbanidade - as linhas rectas, os espaços quadriculados e os retratos da Vieira - rodeada de amoreiras e pátios antigos, como uma história metropolitana com os olhos no devir.
Mas as portas da casa abriram-se para uma outra dimensão. Entraram outros rostos, silhuetas e gestos. Entre a sombra e a luz, num universo de subjectividade, a dor e a angústia; a esperança do carinho. No meio dos traços no papel, ou na tela, uma fuga. Foge, a artista, do cinismo. Vêmo-la a expor e a esconder o progresso, a dar profundidade ao simbolismo da transformação e deixar a ideia errada da luz na superfície.
Nos movimentos vemos os nossos dias. Mas vemos também a expressão eterna de um país. Talvez as cores. Talvez os sons que saem das cores e que marcam a retina como um selo de uma única identidade. É ali, em Lisboa, como é no Nordeste que esta mulher traz na cabeça, como poderia ser na China. Mas ali somos nós. Todos. Completos e imperfeitos. É assim que Graça Morais nos vê. Com toda a ternura.
Graça Morais estará na Fundação Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva até 14 de Abril.