uma ideologia
Há uns anos, falava-se muito de medidas impopulares. Tornou-se um conceito muito utilizado pela direita, já no fim do guterrismo e foi muito desse discurso que levou Durão Barroso ao poder. É verdade que na altura, um gnu com uma placa a dizer PSD ganharia as eleições. Mas, se houve alturas em que um gnu ganharia a Durão Barroso, então podemos assumir que o discurso das medidas impopulares teve os seus méritos. Foi um tempo em que Reforma do Estado era um conceito ainda melindroso. Eu era fã desse discurso.
As medidas impopulares eram compatíveis com o Estado-Providência. Qualquer um dos partidos as podia adoptar. Não tinham um factor ideológico forte, aparentemente, e eram apenas necessidades de um país que pretendia equilibrar-se depois da injecção de fundos comunitários dos anos 90. Era uma questão de prioridades.
Entretanto, o conceito de medidas impopulares evoluiu, no centro-direita, para a necessidade de austeridade, numa década. O discurso tranformou-se em algo que vai para além das simples necessidades de equilíbrio e começou a afectar o próprio Estado-Providência, o rendimento das famílias, a sustentabilidade das micro e pequenas empresas e o desemprego.
Creio que foi Paul Krugman que definiu a austeridade como uma ideologia. Tendo a concordar. Ao contrário das medidas impopulares, a austeridade tem, de facto, contornos ideológicos. Ela baseia-se na convicção de que se nos focarmos no cumprimento escrupuloso da dívida e no controlo rígido do défice, seremos mais competitivos e o sol brilhará para todos nós. Pelos resultados que vamos vendo, espelhados na dinâmica socio-económica, pode ser que não seja bem assim.
Não deve haver medo em assumir a narrativa ideológica da austeridade. Será, de certo, mais honesto do que vendê-la como uma necessidade imediata. As tranformações sociais provocadas pela austeridade são políticas; são decisões tomadas com base numa convicção. Ora, estas transformações não são escurtinadas de forma transparente por dois motivos: esconde-se a intenção ideológica e esonde-se a origem da orientação da mesma. Se há uma política europeia clara e inequívoca pela austeridade, e que está a ingerir no contrato que os eleitores fizeram com o seu Estado, então parece-me mais lógico que a votemos. Democraticamente.
Não há qualquer problema em discutir ideias, desde que se assuma que são ideias. A sua não-assumpção é que é uma neblina contrária aos princípios que todos acordámos.