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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

30
Mar10

...

jorge c.

Estarei um pouco ocupado nos próximos dias, mas sempre que possível tentarei deixar aqui pequenos pedaços do meu génio e da minha modernidade. Entretanto, seguindo a tradição da blogosfera portuguesa, também eu citarei ao calhas um autor qualquer para validar a minha suma intelectual. Vou escapar à tentação do Eça. Portugal nunca conheceu tanto queiroziano.

 

"O marxismo é precisamente uma religião no sentido mais impuro da palavra. Ele tem, sobretudo, em comum com todas as formas inferiores da vida religiosa, o facto de ter sido continuadamente utilizado como um ópio do povo, segundo a expressão de Marx."

 

Simone Weill

29
Mar10

escassez de recursos

jorge c.

Acabo de ver nas notícias os protestos por causa do fecho do SAP de Valença. Ao tentar entrar no Centro de Saúde a directora foi barrada por populares furiosos. Ao longe ouve-se uma voz: "o Centro de Saúde é nosso. Fora daqui".

Não, minha senhora, o Centro de Saúde não é de ninguém, muito menos vosso. O Centro de Saúde é uma conformação do Estado de um direito fundamental, mas que, por escassez de recursos pode ser diminuído. A assistência de saúde não deixa de existir. O que deixa de existir é um serviço nocturno que não tinha utentes suficientes para justificar a sua manutenção. Concordando-se ou não, isto é uma opção política válida legítima e que a pobre da directora do centro não pode contrariar. Tudo o resto é demagogia.

Vivemos numa sociedade livre e plural onde a escassez de recursos à disposição do Estado não é uma "repartição desses mesmos recursos segundo um princípio de igualdade, mas sim uma verdadeira opção quanto à respectiva afectação material" (Vieira de Andrade) consoante as necessidades, as circunstâncias e a sua relevância.

29
Mar10

vísceras à moda do porto

jorge c.

Em Dezembro de 2009, para o portistas, o Benfica era uma equipa com os dias contados, que estava com um rendimento excessivo e que isso se iria revelar na queda vertiginosa do clube. Então, eles ir-se-iam rir e ver o seu Porto, que estava a crescer, a ganhar o campeonato. Por essa altura, o jogador Hulk começava a ser do desagrado dos portistas por vários motivos, entre os quais ser demasiado individualista, ter pouca cultura táctica e ter, apenas, 2 golos no campeonato.

Entretanto o FC Porto foi jogar à Luz. No momento em que Saviola empurrou para dentro da baliza os rostos quebraram. Hulk era, naquele preciso momento, e passo a citar alguns dos que me acompanhavam nesse dia, "um burro, guloso". No preciso momento em que o árbitro apitou o FC Porto ficou a 4 pontos, salvo erro, do Benfica. A partir daí Hulk não voltaria a jogar por castigo. Depois de começar a sua queda, uma queda típica que os Benfiquistas conhecem bem e que se deve a uma má política de contratações, uma má escolha de treinador e demasiado envolvimento de pessoas com outros interesses que não o futebol.

A desculpa que o mau campeonato que o FC Porto está a fazer se deve ao castigo de Hulk torna-se, portanto, patética. Um jogador com 2 golos em 4 meses, que é tendencialmente um jogador individualista e rematador, não pode ser assim tão relevante. E quando a equipa não arranja soluções para a sua substituição, então é porque algo está errado.

Também com Ruben Micael a história foi semelhante. Tinha chegado o salvador. A verdade é que têm sido mais os jogos de irrelevância do que o contrário. Os portistas excederam-se nas expectativas e depositaram toda a sua esperança em meia-dúzia de jogadores. Agora culpam os outros. É tudo muito típico.

28
Mar10

Dissimulação

jorge c.

O problema da pedofilia em grupos específicos não é um problema exclusivo da Igreja Católica, mas sim um problema dos círculos de poder. Um bom exemplo disso (à sua escala, evidentemente) é o caso da Casa Pia onde, apesar de ainda não haver trânsito em julgado, o núcleo central dos arguidos são indivíduos inseridos num círculo de influência e poder, o que acaba por ser no mínimo sugestivo ou indiciário.

 

A pedofilia é um crime hediondo, um crime demasiado grave para ser utilizado como arma de arremesso contra uma instituição religiosa. Pior do que isso é julgar a fé dos católicos pelo comportamento de homens, indivíduos com uma vontade própria e que não representam a fé mas sim a instituição. Quero com isto dizer que quem tem de ser censurado e punido é o homem e não a religião, ou a fé, como tem vindo a ser sugerido surrateiramente por uma certa mentalidade ateísta primária e desprovida de lucidez.

 

É claro que a instituição tem responsabilidades acrescidas e o crime deve ser encarado como acção qualificada a partir do momento em que se parte de uma posição de domínio e de aproveitamento da relevância social para subjugar uma parte claramente mais fraca. E desta responsabilidade não está excluído o representante máximo da Igreja se ficar claro que foi cúmplice com o crime e que, além disso, ainda tentou branqueá-lo. Antes da violação dos valores que regem a sua própria instituição - uma avaliação que deve ser feita por todos os católicos - está a violação da lei, a prática de um crime previsto e punível, a inobservância de uma conduta moral que visa proteger a dignidade humana. É disto que falamos em primeiro lugar e é isto que temos de condenar. Usá-lo para dar voz a um ódio religioso é uma atitude desprezível.

 

Adenda: A ler este artigo de António Marujo, via Nuno Miguel Guedes.

27
Mar10

a queda do regime II

jorge c.

O grande mérito das políticas reformistas é a sua prudência e objectividade em relação aos resultados produzidos, aos efeitos estruturais e globais. Um partido que se diz reformista, porque sabe que num momento de maior aperto social e financeiro isso é uma vantagem retórica, quer ter a certeza de um resultado imediato e quantificável, descuidando os efeitos negativos que a efemeridade desses processos possa produzir. Esta linguagem está, portanto, mais próxima do progressismo típico do socialismo europeu do que do reformismo de facto e manifesta-se de forma demagógica de modo a seduzir o eleitorado. A prática tem tido péssimos resultados no plano do desenvolvimento social e de crescimento económico. No entanto, tem tendência a manter-se.

 

Em tese, um partido reformista não está dependente da opinião pública nem desvia o rumo em que acredita para alimentar o pensamento único e chegar consequentemente ao poder. Um regime que valoriza mais o progressismo do que o reformismo estará, assim, condenado ao "poder à vez": agora vais tu, agora vou eu. O eleitorado, satisfeito com o paternalismo do Estado e com a ausência de rumo, aceita este jogo de figuras, da política fulanizada que quer ganhar o prémio de "empregado do mês", ou pelo menos o mais moderno.

27
Mar10

a queda do regime

jorge c.

A tendência dentro dos partidos de poder nestes últimos anos tem sido a de dedicarem todo o seu tempo à procura daquilo que as pessoas querem ouvir, partindo daí para um discurso de guião e sempre com a ideia de que a qualidade das políticas e a defesa dos seus princípios de base estão condicionadas pelos resultados eleitorais. Ora, eu, por exemplo, queria ouvir que sou bonito, charmoso e moderno. No entanto, a realidade indica-me que sou apenas moderno.

 

É certo que o mundo muda, que as circunstâncias sociais e económicas se alteram a cada instante. Mas, numa sociedade organizada o que se exige é que haja uma coerência na linha política que se quer seguir já que o eleitorado - essa espécie de cliente da política partidária de hoje - vai depositar confiança nessa expectativa e escolher a partir daí. Quando se dedicam todos os esforços à aparência e ao lugar-comum para agradar ao eleitorado cria-se uma certa tendência para a futilidade política que, em rigor, está a enganar e a prejudicar os cidadãos. Não que eles não gostem.

 

A grande quebra com esta realidade, que sugere uma decadência silenciosa do regime, seria um partido que se mostrasse consistente nas suas ideias, com um objectivo concreto e reformista, e não como um barco que navega ao sabor do vento ou como quem se veste conforme variam as modas.

26
Mar10

regras

jorge c.

Não compreendo o alarido em torno da condenação de Ricardo Sá Fernandes por difamação. O objectivo de um processo judicial deste tipo é a defesa do bom nome dos cidadãos. Um advogado, um representante da justiça, não pode sair por aí a chamar criminoso a quem quer que seja antes das sentenças transitarem em julgado. Isso não é ser complacente com a corrupção ou qualquer outro tipo de crime, é apenas respeitar os princípios basilares do direito processual. Sá Fernandes tem toda a liberdade de dizer o que lhe apetecer, mas os tribunais também existem para defender a liberdade da outra parte exigir a defesa da sua honra no cumprimento das mais elementares regras deontológicas, para já não falar em bom senso.

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