jorge c.
A menos de 24 horas das eleições para o PSD, chego ainda a tempo de dizer qualquer coisa. Muita tinta foi derramada por causa desta corrida à liderança do partido. Também houve vontade de sangue. No espaço de um mês disse-se tanto e tão pouco sobre aquilo que é o PSD e os seus candidatos que custa a acreditar que vivemos todos no mesmo país. É mais fácil acreditar que se vive no país que convém de semana para semana a cada qual. Julgo que não é por mal que se faz tanta análise distorcida. É apenas a histeria habitual dos actos eleitorais em Portugal que ganha contornos de arena romana ou circo sul americano.
Não é a primeira vez que o PSD está tão mal servido de candidatos à sua liderança. A disputa entre Menezes e Marques Mendes marcou a primeira vez que me senti envergonhado por apoiar activamente um partido político, mas também não vou agora expor as razões que me levam a tal apoio, deixando isso para outra altura. O que me interessa neste preciso momento é manifestar o meu desconforto com a total falta de alternativas de poder. O que está a acontecer com os militantes do PSD é que começaram a nivelar as suas escolhas por baixo. Dos 4 candidatos não há um único que se encontre em totais condições de oferecer aos portugueses uma alternativa sólida e de confiança.
Não é de todo compreensível que militantes e apoiantes do PSD que andaram durante uma legislatura inteira a criticar José Sócrates pela falta de conteúdo e pela superficialidade das suas políticas, que condenaram o favorecimento mediático das chamadas "causas fracturantes" em deterimento de questões que se têm revelado hoje de uma gravidade sem precedentes, que se insurgiram contra a política dos resultados deste governo, venham agora apoiar um candidato que preenche todos estes requisitos. Pedro Passos Coelho é uma incógnita porque ninguém sabe que princípios ele vai defender amanhã. Aliás, isso pouco lhe parece interessar porque é o circunstancialismo eleitoral que parece formar a sua vontade política. Um homem que já foi a favor das grandes obras públicas em período de crise e que se dizia, ao mesmo tempo, liberal; um homem que agora parece já não achar o mesmo, tal e qual como a privatização da Caixa Geral de Depósitos; um homem que fez campanha com estas incoerências, durante dois anos, contra a direcção do seu próprio partido. Isto para não falar dos ataques dos seus apoiantes a Paulo Rangel desde a sua apresentação como candidato. É que uma coisa é confrontar projectos políticos e outra completamente diferente é estabelecer juízos de valor e de princípio acerca de alguém de quem se disse precisamente o contrário nem há um ano atrás. Não falo obviamente de Rangel candidato ao Parlamento Europeu, mas acima de tudo do líder parlamentar cuja oratória e capacidade de confrontação ao governo pareciam agradar a todos.
Mas nem vale a pena entrar por esta guerra civil entre claques de candidatos porque do lado de Paulo Rangel a coisa não é certamente mais simpática. E nem o maior problema de Rangel é a sua entourage mas sim a oportunidade da sua candidatura. Paulo Rangel é, muito provavelmente, a maior revelação da política portuguesa dos últimos 15 anos. Revejo-me em grande parte da sua forma de encarar a política e o espaço que esta ocupa ou deve ocupar. Mas nem por isso este candidato tem de ser uma boa solução para o partido. Quer-me parecer que a candidatura de Rangel foi imprudente. E essa imprudência pode-lhe custar caro mais tarde quando estiver mais à altura deste desafio que é liderar um partido com aspiração e tendência para governar. Paulo Rangel não tem massa política suficiente para se aguentar, e quando digo massa política refiro-me ao apoio e compreensão ou até mesmo ao conhecimento e reconhecimento dos vários sectores da sociedade portuguesa. A sua ideia de ruptura é muito boa e apelativa a quem se mostra um pouco cansado do estado actual das coisas. Contudo, o candidato tem tendência para abraçar mais depressa a famigerada real politik do que a ruptura com um regime decrépito e corrompido por dentro. Isto não dá, como é evidente, qualquer confiança aos cidadãos, e um político para ambicionar mudar alguma coisa tem de transmitir essa confiança com uma conduta objectiva e inequívoca.
Ora, depois destas fragilidades dos dois candidatos, cheguei a acreditar que a candidatura de José Pedro Aguiar-Branco pudesse representar a solução de poder que o PSD necessitava para resolver o problema da saída de Manuela Ferreira Leite. Aguiar-Branco, apesar da inultrpassável falta de carisma, reunia a meu ver uma característica fundamental do agrado do eleitorado do PSD - a defesa do regime tal como ele é, um Estado-Providência sem grandes propostas de liberalização disto e daquilo. O candidato seria a mudança dos valores que norteiam os homens da política. Acreditei, enfim, na capacidade que a sua postura séria e a sua rectidão teriam para renovar a confiança dos portugueses naqueles que os governam. No entanto, Aguiar-Branco acabou por se portar como um garoto e adoptou um discurso que só o tem feito perder apoios, tanto dentro como fora do PSD. E ninguém pode acreditar que alguém que está mais preocupado em discutir chatices com amigos do que discutir programas políticos sirva ao país. Nem sequer aproveitou o conhecimento que tinha das pastas mediáticas como líder do grupo parlamentar.
Toda esta campanha assustou pela pobreza de espírito e pela histeria. Não consigo imaginar um líder do PSD assim. Mas digo desde já que não acredito que o próximo líder do PSD seja necessariamente Primeiro-ministro. Isso é wishful thinking. Agora, uma campanha e uma liderança são coisas diferentes. Pode ser que as coisas mudem. É esperar.