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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

06
Mai11

Villepin e os amanhãs que cantam mornas

jorge c.

Esta foi a manhã de Dominique Villepin. Homem de uma retórica que deixaria Paulo Portas inseguro, o antigo Primeiro-Ministro francês chegou ao Estoril como quem está prontinho para se candidatar à Presidência francesa seduzindo a plateia que se rendeu ao seu discurso globalizador na diversidade, nos compromissos, na preocupação com direitos fundamentais, na segurança e na defesa. Chegou mesmo a ter o descaramento de propôr uma estratégia europeia para a defesa. Vieram-me as lágrimas aos olhos. Como dizia alguém aqui ao lado: Sarkozy que se ponha a pau.

Villepin centrou-se essencialmente no tema geral das conferências mas disse algo que me deixou confuso: pensar local e agir global. Eu compreendo, de certa forma, que queira falar no sentido do espírito comunitário, como quem depende da Dona Rosa da mercearia e do Tio Zé da oficina para o crescimento global de todo o burgo. Chama-se a isto o bom conservadorismo. Mas, parece-me que Villepin poderia ter sido mais arrojado e defender um pensar global e agir local. Porque é a acção que estamos aqui a discutir e não apenas as boas intenções. Agir bem localmente, com visão global, para uma melhor integração e comunhão de interesses. Foi, para já, a palestra mais completa.

 

Um abraço, Dominique!

06
Mai11

Touched by the hand of Baradei

jorge c.

Como seria de prever, o Benfica não me deixou espaço de manobra. Mas a vida é assim mesmo - ganhamos nuns sítios e perdemos noutros. Ontem, por exemplo, ganhou-se muito em dois momentos: a conferência de imprensa da ElBaradei e a palestra de Francis Fukuyama. Eu, pelo menos, ainda ganhei um abraço do Baradei - qual touched by the hand of God - e com um cosmos bem alinhado tudo se há-de resolver pelo melhor no Egipto. É pensar global, pensar positivo. Assim nos foi dizendo o Prémio Nobel da Paz enquanto respondia a questões não apenas relacionadas com o seu país. Falou-se em transição lenta, em democracia, em pluralismo, em reflexão, consensos alargados, Constituição - tudo requisitos fundamentais para que se candidate. Mas sim, há uma candidatura à vista, admite Baradei numa postura serena e aparentemente consciente. Vai correr tudo bem, com a graça de Deus - o outro, que com o da Moita a conversa foi outra (meteu revoluções e redes sociais, enfim, um assunto que poderemos abordar mais tarde numa avaliação global, lá está, das conferências).

 

Àquela hora já se ouvia a multidão pelos campos "Frankie! Frankie! Frankie!". Ou então era apenas eu que aguardava ansiosamente nos corredores, ao pé de gente bonita e bem disposta, a chegada de Mr. Fukuyama que traria certamente a matéria do seu novo livro para nos falar dos sistemas actuais, nomeadamente do médio-oriente e por aí fora até à China. Foi isso que fez. Falou de sistemas, da sua arquitectura, da sua filosofia e dos seus potenciais erros. No fundo fez um breve resumo daquilo que está no seu livro: poder político, primado da lei e finanças. Sem estas três característica, diz Fukuyama, a malta não vai longe, como se pôde constatar ao longo da História onde, garante (20 anos depois do seu tão falado Fim da História), o problema poderá estar no Imperador e não no Império. Quanto à China, terra da abundância que tem andado na boca do povo - que é como quem diz conferencistas -, não será facilmente possuída à bruta por esta nova vaga de revoluções, o famigerado uprising capitalista, perdão! democrático. A China, ela própria está a modificar-se, está a crescer economicamente, e essa nova narrativa não será familiar a uma revolução. Mas não se enganem, ninguém pode prever o que vai acontecer, diz o nosso ex- Zandinga da filosofia política americana. E lá mandou uns vivas à democracia. Houve comoção.

 

Portanto, um dia repleto de emoções, não obstante Mira Amaral e um painel fraquinho de onde sobressaíram indiscutívelmente

Pauline van der Meer Mohr (este copy/paste foi demasiado denunciado) e David Held. Mais um painel onde se falou, no essencial, de ética, integridade e história (estudo e cultura) para uma sociedade melhor preparada para os desafios globais, em tempos de crise financeira, onde a honra e a seriedade serão factores nucleares. O Prof. Zoega poderia ter feito um brilharete, mas estava nervoso e desconfortável, o que não nos permitiu perceber por que razão falava da dívida pública e privada. É verdade que ninguém compreende tudo o resto, mas a crise financeira em particular, apesar dos esforços dos conferencistas. Insisto apenas no maravilhoso sotaque do Dr. Mira Amaral.

 

Agora vou até lá outra vez, que estou atrasado. Sejam amigos!

05
Mai11

2º dia no Estoril - Deus e o Rei

jorge c.

A tarde de ontem foi muito interessante. Tão interessante que acabou num grande concerto de Aloe Blacc na Aula Magna e eu nem tive tempo de vos pôr a par da excelente intervenção em apneia de Roubini que veio dar uma palestra sobre a crise financeira global (causas/efeitos/possíveis soluções) que possivelmente deixou Miguel Frasquilho muito desconfortável. Howard Dean também foi giro. Uma aula de pragmatismo e real politik depois da cantilena da manhã. Mas o que lá vai, lá vai e segue o segundo dia de Conferências.

 

Hoje tivémos uma manhã plena de dispersão estratégica. O tema eram os desafios e a governação global. Meia casa forte, como na festa brava, de onde salta uma boa prestação final de Carlos Lopes e de Sergey Karaganov. A crise financeira e o desenvolvimento económico andaram numa rodaviva atrás de uma participação global, mas fica claro que a complexidade é inimiga de soluções mágicas e dessa dispersão institucional estratégica. Um debate que poderia ter sido verdadeiramente interessante mas que pecou por ser confuso e mal mediado.

 

A grande expectativa estava em Larry King. Não vou falar da prestação de Mário Crespo que roçou o ridículo na tentativa de insinuar censura. Posso dizer apenas que, tal como outros companheiros da luta, fiquei um pouco desiludido. Uma conferência que andaria à volta dos desafios globais da democracia acabou por ser sobre Larry King. Mérito indiscutível para a sua capacidade de comunicação e de sedução. De assinalar a percepção da sua própria profissão, da sua evolução, com referências inevitáveis a Ted Turner e a Walter Cronkite; uma história sobre um entrevistado (polícia) e o míudo que o alvejou que emocionou a plateia; e uma descrição em pontos muito concretos daquilo que deve ser a habilidade jornalística em aprender para perguntar e voltar a aprender para voltar a perguntar. Sobre desafios globais... fica à vossa criatividade, não sejam preguiçosos.

 

A esta hora, olhando ali para baixo, vejo Deus sentado à espera que as pessoas cheguem. Numa clara manifestação de graxismo, a pontualidade de Rodrigo Moita de Deus (também blogger do 31 d Armada) diz muito da organização competente destas conferências.

 

Se o Bendfica me permitir, ainda hoje direi qualquer coisa. Sejam amigos.

 

04
Mai11

Ah! Conferências e poesia social

jorge c.

Manhã de sol no Estoril, bom tempo para a prática desportiva e para as aulas de educação cívica. A Academia podia resumir-se a uma longa manhã de Meio Físico e Social. Falou-se de ética, complexidade do meio, participação cívica, liderança e responsabilidade social. A Dona Maria Emília ficaria muito satisfeita por ver que eu tenho a matéria bem estudada. Pareceu tudo muito bem, por pouco não fomos todos a correr comprar playmobil's para construir cidades perfeitas e "God is in the house" nas sábias palavras desse arquitecto paisagista que é Nick Cave.

Devia haver uma disciplina de lirismo prático e o meu pai tinha um colapso por perceber que eu sempre tive razão. A mensagem é clara: sejam amigos, organizem-se, façam os trabalhos de casa e nunca deixem de sonhar. Isto faz todo o sentido em estrangeiro, mas quando se faz a tradução a fotografia parece ser de baixa resolução.

Mas, não vamos ser tão cépticos. Um dia alguém em Portugal fará mais que uma parangona e seremos todos felizes. É para isso que servem estas palestras, não é - para nos motivar?

Com mais tempo tentarei ser mais objectivo nas minhas insinuações. Para já está tudo a correr bem.

Deixo aqui o programa e podem seguir as conferências da tarde aqui em baixo.

 

 

Um agradecimento especial e um beijinho para o Chico e para a Alda que estão a fazer os possíveis para eu não ser preso.

03
Mai11

A grande ilusão

jorge c.

É relativamente fácil alguém se deixar seduzir pela estética revolucionária e pelo discurso da repressão e da exploração sobre os desfavorecidos. Quem não se sente solidário com os abusos psicológicos e físicos, com o autoritarismo ou com a exploração? Mesmo que sejam actos isolados, junta-se tudo e faz-se disso uma política, uma política contra. É esta a imagem que o 1º de Maio representa nos dias de hoje. Sem qualquer orientação ou narrativa política, a defesa dos direitos dos trabalhadores não passa de um conjunto de lugares comuns revolucionários e contra-sistema que não encontram qualquer adequação ao mundo em que vivemos. No fundo, é pegar num conjunto de situações emocionalmente fortes e vendê-lo como um ideal político.

É este excesso que caracteriza o revolucionarismo, esta persistência secular, a insistência basista numa sociedade que não existe, a diabolização de um dono de escravas, a metáfora desadequada. Quem não se deixa corromper pelas emoções?

03
Mai11

A puta da subjectividade

jorge c.

Só lhe via as pernas. A ambulância ia-se fazendo ouvir do outro lado da Praça. Dois homens gesticulavam com veemência e outros dois e uma senhora, sentada, estavam ao pé do corpo que caiu ali discreto numa das paragens de autocarro. Talvez uma quebra de tensão. Com a chegada da emergência médica aproximam-se mais uns quantos transeuntes oriundos de outras paragens. Um polícia municipal ignora o acontecimento e segue em passo apressado para qualquer parte. Metem o homem na maca. Agora reparo que é um homem, talvez um septuagenário, mas muito próximo dos 80. A mulher que estava sentada acompanha-o. Um dos homens da emergência médica pede-lhe alguns dados e sugere-lhe qualquer coisa conduzindo-a até parte incerta. Os mirones continuam em cima do acontecimento e ao meu lado uma senhora irrita-se com a burocracia da acção médica: com o marido foi assim uma série de vezes, era cardíaco (acendo um cigarro). No topo da ambulância lê-se Ministério da Saúde. Não fosse o autocarro para Almada servir perfeitamente o seu destino e o homem acabaria por morrer por culpa do Governo. Lá vai ela, nem um adeuzinho, nem nada. Então adeus, minha senhora, cumprimentos à vítima. A ambulância também parte e na rua fica um ar carregado. O meu autocarro chega. Lá dentro os dois homens (mais um camarada) que haviam orientado a chegada da ambulância vão conversando animadamente. Mataram o Bin Laden. De manhã, a mesma conversa. Acorda, mataram o Bin Laden. Na América festejam.

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