O direito das crianças
A discussão sobre a adopção de crianças por pessoas do mesmo sexo não é, nem pode ser, equiparável à do casamento entre pessoas do mesmo sexo. O que estava em causa nesta última era a restruturação de um instituto que trazia, dentro de si, uma dogmática civilizacional que o Direito foi protegendo ao longo da sua História. É evidente que essa protecção muito se baseou em receios e preconceitos que não tinham fundamento. Mas, o seu argumento fundamental deveria ter sido sempre o jurídico-institucional, nomeadamente na natureza das relações jurídicas e os seus efeitos. Isto não obsta, contudo, a que fosse urgente formalizar uma conjugalidade que era, para todos os efeitos, uma necessidade da protecção de outras relações subjectivas.
Posto isto, e não obstante a minha posição relativamente ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, na altura da sua discussão, é preciso esclarecer a necessidade de alargar o âmbito da adopção. Não tem que ver com direitos de igualdade de género, muito embora a discriminação dos casais do mesmo sexo seja, até esta medida, mais do que evidente, visto o instituto em que a sua conjugalidade está inserida ser o mesmo. Trata-se, sobretudo, de uma necessidade que advém da obrigação do Estado promover o supremo interesse das crianças. Esse interesse supremo tem como condição nuclear a criação de todas as condições para que a criança cresça e se desenvolva numa conjuntura familiar estável.
Como dizia o Prof. Pereira Coelho, a família não é um conceito estanque. Ela vai se alterando, conforme à evolução social. Ninguém pode, hoje, garantir que uma família de pessoas do mesmo sexo afecte o desenvolvimento e a autodeterminação das crianças. Poder, pode, mas só através de um juízo absolutamente subjectivo, sem fundamento científico, ou seja, baseado no preconceito.
Uma criança sujeita à adopção, mais do que órfã de pai e/ou de mãe, é órfã de uma estrutura familiar. Se o Estado considera idêntico o direito à formalização da conjugalidade, não pode ignorar, agora, que o casamento é senão a oficialização dessa estrutura familiar. E é precisamente esta figura que terá todas as condições, devidamente avaliadas com critérios que o próprio Estado estabelece para a adopção, para proporcionar à criança uma oportunidade - a de crescer e desenvolver-se num contexto de protecção familiar.