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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

28
Dez12

as minhas coisas favoritas

jorge c.

Em alturas como esta oferece-se dizer que só valorizamos as coisas quando as perdemos. Mas, logo viria alguém discutir o lugar comum e a falta de sofisticação, a pouca urbanidade da coisa e a necessidade de seguir em frente. É a chamada ética dos fúteis. 

É uma merda perder as coisas. É uma merda que sejamos poucos a tentar mobilizar as pessoas para os lugares que sabemos mágicos, onde o tempo não passa e se mantem estático para que, então, uma certa transcendência nos coloque os olhos no futuro. É isso que o Jazz nos faz. É o mais perfeito instrumento da consciência livre.

Pouco pretensioso, o jazz é da rua, é dos bares generosos. Quando as ruas e os bares perdem o jazz, nós perdemos um pouco mais de liberdade, de oportunidade para lançar a conversa num precipício interminável, empurrada pela enxurrada de uísque e de fumo livre.

Hoje, de manhã, acordei com uma notícia amarga. O Catacumbas - o último speak easy, digno do nome, na cidade - fechará em fevereiro. Talvez seja mais uma das consequências do tempo que vivemos. A crise. Porém, pergunto-me se a verdadeira crise não será a mesma história de sempre: a desvalorização das coisas, a troca do brinquedo velho pelo novo, a ditadura da novidade e do trendy e assim sucessivamente. 

Este é o meu maior ressentimento, não o nego. Porque não gosto de perder as minhas coisas favoritas. 

 

 

Até jazz, Manel.

26
Dez12

uma história extraordinária

jorge c.

Não há nada como uma boa aldrabice.

Os grandes impostores da nossa história, e da literatura, foram sempre personagens de grande competência. D.Juan, por exemplo, aos olhos de Molière, era um refinado hipócrita. Porém, não tenhamos dúvidas de que se tratava de um excelente impostor. Atrevo-me, até, a vigarizar uma célebre frase sua para dizer que "a aldrabice é um vício que está na moda". E, por falar em vigarizar, atente-se à inolvidável competência do Vigário que Pessoa imortalizou num pequeno conto, não obstante ter durado apenas umas horas.

Há aldrabices lentas e aldrabices tão repentinas, que apenas a competência da execução distingue os seus protagonistas.

Em Portugal - país de inúmeras aldrabices - a competência é, contudo, relativa. E é isto que incomoda. A uma aldrabice incompetente, facilmente desmontável, e ao seu desajeitado impostor, logo se junta uma tutela que os protege. Poderá isto suceder por mera ingenuidade mas, a verdade, é que se estraga logo a beleza da aldrabice. É batota. Porque o bom da aldrabice é que ela engane tudo e todos sustentada, apenas, pela competência do impostor.

A opinião pública portuguesa está, todos os dias, sob a mira da aldrabice. Enchem-se canais de comunicação das mais variadas vigarices mentais, de simples desconstrução, que são sustentadas por directores e editores nas redacções, por um senado de especialistas e, por consequência, pelos representantes políticos do povo. E, se estes se deixam enganar, então a aldrabice perde a sua originalidade e a sua competência. 

Por estes dias, apanharam um impostor. Um grande e verdadeiro impostor. Ludibriou tudo e todos, como nesses truques de ilusionismo em que a arte está na manobra de diversão criada. O espanto generalizou-se e as reacções foram, até agora, sublimes, desde os mais sabichões aos mais envergonhados.

Nas grandes obras literárias, não podemos dizer que existe sempre uma moral da história. O que há é uma demonstração das formas que a condição humana toma, sem juízos. Cabe-nos a nós, leitores, decidir. Talvez só daqui a muitos anos, saberemos que decisão tomámos para as nossas vidas, depois desta história extraordinária.

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