jorge c.
Caro Miguel Gonçalves,
Permita-me que não o trate por tu. Gosto de formalismos. Com eles, habituamo-nos ao recato, à cautela e a uma estratégia honesta de relação com os outros.
Mas, não lhe escrevo para conversar sobre formas de tratamento. Não lhe quero tirar tempo desnecessário às suas actividades. Louvo, até, essa energia e questiono-me como seria a minha vida se o meu objectivo fosse, tal como o seu, trabalhar para enriquecer muito, pornograficamente, nas suas palavras. Admiro imenso.
Dirijo-lhe esta carta, antes, para lhe mostrar o meu desagrado (repúdio, até) pelas suas pornográficas palavras no jornal i, de hoje. Para mim, a pornografia nas ideias, nas palavras e nos actos é uma forma pouco elegante e explícita de fazer o que quer que seja. A pornografia é grosseira e bruta. Não conhece as maravilhas do sonho.
Eu compreendo que esta seja a linguagem do exagero que necessita para fazer o seu negócio. Julgo que é psicólogo de formação, não é verdade? Acho extraordinário que utilize essas ferramentas para vender uma ideia constante aos seus clientes. E que boa altura, esta, em que as empresas estão tão permeáveis aos artigos e livros de auto-ajuda que Harvard vomita todos os dias.
Contudo, um país não é uma empresa, Miguel. Eu compreendo que não saiba, nem queira saber nada de política, como muito bem afirma. A cidadania não é nenhuma obrigação e nunca levou o pão para a mesa de ninguém. Mas, se assim é, então seria mais coerente e lógico que não se envolvesse em questões políticas, como um programa lançado por um governo que tem, para a infelicidade da humanidade, uma natureza política. Aliás, quando afirma que "Isso (a perversão do mercado) seria outra discussão que nos levaria para sítios imprevistos", fico sem saber se o Miguel tem estrutura social, cultural e intelectual para discutir tal assunto. Porque tal assunto, Miguel, é pura política.
Posto isto, e resolvida a questão da sua fragilidade sociológica e intelectual, vamos ao que interessa porque, certamente, já está a ficar nervoso sem resultados efectivos. Ainda o tenho comigo? Vamos a isso.
Assumo que o Miguel, por não perceber nada de política, não tenha, então, muita sensibilidade para a matéria social. Gostaria de lhe dizer que a taxa de desemprego em Portugal aumentou mais de 10% nos últimos 4 anos. Esta situação é um reflexo da redução do staff das empresas, políticas de contenção de custos realizadas através de despedimentos colectivos, extinção de postos de trabalho (postos estes muitas vezes vendidos pelos gurus dos anos 90 para convencer as empresas que a tendência, na altura, era outra), degradação do sector industrial, mercado insuficiente e pouco competitivo para absorver determinados recursos. Esta informação pode encontrá-la, com alguma facilidade, nos jornais. Se tiver tempo, dê uma vista de olhos. É que as reportagens servem, fundamentalmente, para dar visibilidade a realidades que as pessoas muito ocupadas não têm tempo para apanhar da rua. Sabe, temos um grande problema de iliteracia em Portugal. Disponibilizam-se ferramentas mas, desvalorizam-se os valores e princípios que determinaram a sua funcionalidade. Estamos, aliás, perante o primado da funcionalidade. Não quero maçá-lo com questões filosóficas. Se, entretanto, lhe estiver a doer a cabeça, diga. Arranjo-lhe um comprimido, sem precisar de me pagar por este meu acto solidário disruptivo.
Bem sei que esta minha carta peca por falta de assertividade. Poderia ter-lhe dito que a sua generalização no que respeita aos desempregados é de uma inacreditável falta de sensibilidade e representa, até, tudo aquilo que é contrário aos mais básicos valores da humanidade. Poderia dizer-lhe que está a utilizar uma ferramenta política do Estado para promover o seu trabalho, tendo o seu retorno com a publicidade e que isso é, de certo modo, pornográfico. Poderia dizer-lhe que é um palerma e que o seu tempo, como o de todos os outros self-proclamed gurus (curtiu do anglicismo?) chegará ao fim. Porque a sociedade, apesar de gostar de ser enganada por vendedores de banha de cobra, acaba por procurar conforto na bondade, na solidariedade e na fraternidade.
A vida, Miguel, foi feita para ser desfrutada e o objectivo é que sejamos todos eroticamente felizes.
Despeço-me com cordialidade,
Jorge C.