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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

22
Mai14

os que te querem bem

jorge c.

Há uns anos, Brian Warner foi acusado pelos movimentos conservadores americanos de ser um dos responsáveis pelo famoso massacre de Columbine, porque os seus autores seriam seus fãs. Warner explicou, na altura, que o problema nuclear estava na política de uso e porte de arma nos Estados Unidos e não na sua música. Ao longe, será fácil compreender o artista e defender a irreverência e o seu estilo. Entende-se o que é uma manifestação artística se formos ao seu encontro e não nos deixarmos impressionar pelo primeiro impacto.

Talvez seja mais óbvio se eu disser que Brian Warner é, também, Marilyn Manson. A própria escolha do seu nome, bem como dos outros elementos da banda, foi feita com base numa dialética: a beleza e o sonho americano representados pelo icon Marilyn Monroe e o lado negro da condição humana representado pelo tenebroso Charles Manson.

Em Portugal, há cerca de 25 anos, conhecemos uma personagem muito semelhante. Adolfo Luxúria Canibal é um artista reconhecido não só pelos seus pares mas, por todos os que pararam para o ouvir dentro e fora do palco. Quem o fez teve a oportunidade de perceber como é possível encenar rock'n'roll. Lembro-me bem quando no início da década de 90, a propósito do sucesso de Mutantes S-21 - o seu disco mais mediático -, o aparecimento de Adolfo nos media provocou um choque nas almas mais sensíveis. Ai que nome horroroso! Era natural, num país ainda massacrado pela falta de percepção artística e ainda receoso do avant-garde, que se estranhasse toda aquela mise-en-scéne dos Mão Morta. Mas com o passar do tempo, e em particular com o extraordinário Müller no Hotel Hessischer Hof, o país foi percebendo o artista e passou a respeitá-lo. Adolfo contou um dia uma história caricata. Já muito depois de Mutantes S-21 ser lançado, foi confrontado com um fã que tinha visitado as cidades descritas nessa obra-prima porque - e passo a citar - "não viu nada daquilo". O artista tentou explicar que o disco era sobre experiências individuais e era, fundamentalmente, uma obra artística inspirada nas cidades e no ambiente que ele teria sentido aquando de viagens feitas na sua juventude.

Em 2014 há quem ainda prefira apostar na literalidade e nos processos de intenções. Nunca esperaria isso, porém, de Ferreira Fernandes e fiquei muito triste quando li esta crónica. Não me espantaria que gente que lê por obrigação ou por entretenimento fizesse um juízo tão básico; gente que nunca entrou num teatro ou viu um filme sem se queixar da "falta de história"; gente que olha para Pollock e vê rabiscos; gente que diz que o jazz lhe faz confusão aos nervos; que a poesia é coisa de maricas e lamechas. Não, não é esse o tipo de pessoa que vejo em Ferreira Fernandes. Mas, hoje, muito sinceramente, pareceu. E foi horrível.

 

 

13
Mai14

do ódio ao desconhecido

jorge c.

Será com muita dificuldade que um programa de debate na televisão consiga esclarecer alguém para lá da mera heurística sobre qualquer matéria. O de ontem, sobre a tauromaquia, não foi excepção. Para além de ser um tema de guerrilha urbana, é um assunto complexo, que envolve factores culturais e identitários endógenos. A ancestralidade do culto tauromáquico não nos merece a leviandade de uma discussão pouco esclarecida e ainda menos esclarecedora.

Se é verdade que a tradição não legitima qualquer actividade por si só, não é menos verdade que o progresso não tem de ser o estrangulamento daquela, a tábua rasa da história dos povos. E se muitas vezes o conservadorismo ganha contornos reaccionários, pouco esclarecidos, também acontece o progressismo exceder-se em tiques pós-modernistas, sem referências, sem cultura, cínico e alimentado por uma ideia de urbanidade que ignora a vida no campo.

A diferença entre as duas vivências é abissal. A espiritualidade que advém de cada uma tem origem em fenómenos identitários dissonantes que apenas se reúnem num mesmo indivíduo cuja sensibilidade foi sendo preparada ao longo do seu próprio desenvolvimento. Não quer isto dizer que tal faça de alguém mais ou menos sensível, melhor ou pior. Quer antes significar que há, por vezes, mais disponibilidade para observar o mundo.

O grande problema da pós-modernidade é, precisamente, a urgência, a efemeridade, a falta de tempo para contemplar e reflectir, para compreender, discernir e, sobretudo, para sentir. Não conseguindo compreender, opta-se pela tentativa de destruir. É esse o génio da multidão, como diz o grande Bukowsky.

 

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