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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

05
Set10

Guerra semi-fria

jorge c.

O impasse da política portuguesa deve-se essencialmente a um jogo de estratégias eleitoralistas, ou de não-queda, financiado pelo PS e pelo PSD. Os socialistas tentam aguentar o poder com a táctica da diabolização, desta vez mais comedida, não passando de mera desonestidade intelectual e soundbites estafados. O PSD sabe que não pode ser parte do problema e que, por tal, não pode provocar a queda do governo. Nesse sentido, ameaça com ligeireza a reprovação do Orçamento de Estado.

Todo este tacticismo anacoreta perturba a concentração no essencial e alimenta a demagogia das facções mais descentradas. É um clima de guerra-fria entre medrosos, calculistas de berma-de-estrada e demagogos num país com um grande défice de interesse e de cidadania.

04
Set10

Uma tragédia

jorge c.

Nunca teci qualquer juízo sobre o processo Casa Pia. Nunca achei ou deixei de achar que este ou aquele eram culpados ou inocentes. Só um tonto pode achar alguma coisa baseado em nada ou, no máximo, na boateira do "eu conheço uma pessoa que...". Ainda bem que todos conhecemos pessoas, é bom sinal!

Chegados ao fim deste processo, não obstante a próxima maratona de recursos para instâncias superiores, resta comentar aquilo que verdadeiramente me preocupa em abstracto, aquilo que diz respeito à Justiça e ao seu reflexo social.

Foram 5 anos de julgamento. Foram ouvidas centenas e centenas de testemunhas (quase um milhar). Foram atirados na lama nomes de pessoas que nada tinham que ver com o processo e, mesmo as que tinham, foram-no sem qualquer fundamentação. Os magistrados foram postos em causa do primeiro ao último dia. Os advogados contribuíram mais do que ninguém para o atraso do andamento do processo. Os arguidos viram as suas vidas adiadas. As vítimas ficaram a aguardar. O país inteiro especulou, difamou e, mais do que tudo, duvidou. Duvidou e continua a duvidar, e é este o principal problema deste processo - a dúvida.

Feito um grande Otelo (façamos de conta que a Justiça é Desdémona), a partir deste processo, o país desconfia legitimamente do sistema. Será possível ser vítima de uma cabala tão rebuscada? Será possível que "nomes ligados à política" passem incólumes? Será possível lutar pela defesa do bom nome em Portugal? Podemos confiar na independência dos magistrados? Podemos confiar na boa-fé processual dos advogados? Podemos confiar na melhor diligência do MP? Podemos acreditar num sistema de Justiça? Podemos esperar que se faça justiça?

Tudo isto são questões legítimas que este processo levantou. Não me lembro de um tempo em que não se dissesse "isto está tudo mal" ou "os poderosos safam-se sempre" ou outras larachas do género. A verdade é que, com este caso, estas questões fazem todo o sentido. A dúvida está instalada. Ela é, agora, objectiva e inevitável. Não há alteração de legislação, mudança de liderança ou reforma do sistema que safe a imagem da Justiça portuguesa. Se o cidadão não acredita e rejeita a Justiça, ela não existe.

 

Adenda: este post do Funes, como sempre, também toca no essencial.

30
Ago10

Algumas notas políticas dos últimos dias

jorge c.

1. O PCP apresentou Francisco Lopes como candidato presidencial. Era de esperar que o comunista fosse empurrado para algum lado, depois de nos últimos 2 anos ser responsável por alguns comunicados do seu partido. Era um sinal. Mas talvez surpreenda que tão fraca figura seja a cara do PC à mais alta magistratura da nação. Isto sugere-nos apenas que Cavaco tem cada vez mais a vida facilitada.

 

2. O Presidente da República, interrogado sobre a embrionária proposta de revisão constitucional que poderá ser apresentada pelo PSD, respondeu aos jornalistas perguntando se já havia entrado algo na Assembleia da República. É claro que mesmo que tivesse entrado, Cavaco diria que "não é altura para o PR comentar esta situação", como já vem sendo hábito, pois temos um Presidente que prefere comentar filamentos de vacas leiteiras. Mas, a verdade é que foi o único a dizer o óbvio. Ninguém pensou que fosse necessário, mas depois das constantes declarações diabolizadoras e populistas da esquerda, e sobretudo do PS, parece que foi mesmo necessário. A falta de honestidade intelectual é, a cada dia que passa, ainda mais assustadora.

 

3. Ahmadinejad revelou ao mundo o que anda por debaixo das saias do Irão - "um mensageiro da paz que mata". Não tendo prestado muita atenção às características do novo brinquedo de guerra, não posso deixar de reparar que esta postura do Irão face ao mundo inteiro acaba por ter muito menos impacto do que as execuções sumárias no grande público, ou pelo menos em parte dele, parte significativa e participativa. Também eu estive presente no Camões naquela vigília que tanta polemicazinha tem gerado na blogosfera (é de ficar de boca aberta, como bem nota Alexandre Homem Cristo, apesar do exagero do "ódio", pois eu chamar-lhe-ia mais palermice), mas no meio de tanta gente não ouvi ninguém tocar no assunto. Bem sei que não é um factor tão emocional. Ainda assim, se calhar um aviãozinho destes é capaz de violar uns quantos direitos humanos. Digo eu.

 

4. O CDS é um lugar estranho. Depois de nas últimas rentrées ter apostado na discrição, na sobriedade dos grupos de estudo e na necessidade de apresentar ideias longe de um discurso demagógico (foi esta a ideia com que fiquei, perdoem-me se estou errado), o Partido de Portas regressa ao circo das feiras e dos comícios inflamados, pondo tudo em alerta e ameaçando o governo sabe-se lá bem com o quê. É tudo tão confuso. Talvez seja este um dos motivos pelos quais nunca conseguirei votar num CDS em que Paulo Portas seja líder, ou até mesmo num CDS que aceita toda esta palermice.

16
Ago10

Um ministério sem talento

jorge c.

Sabemos que estmos fora de Portugal quando vemos o património cultural bem preservado, devidamente indicado e disponível. O património é a nossa melhor fonte de memória colectiva. Protegê-lo e sustentá-lo é uma obrigação de todos e, como tal, do Estado.

Se há alguma coisa que o Ministério da Cultura deveria fazer era salvaguardar o património, gerindo a sua manutenção, que é algo substancialmente mais importante que comprar quadros ao sr. Berardo, não desfazendo.

Portanto, esta notícia reflecte o respeito que um país tem pela sua memória.

12
Ago10

Um problema de carácter

jorge c.

Se a opinião pública serve para os governos e restantes partidos poderem formular o seu programa imediato, ela nunca pode servir como barómetro de nada. A opinião pública é, em regra, parcial, egoísta e despropositada. Tem-se visto isso mesmo em relação aos problemas que envolvem a Justiça. De repente temos milhares de especialistas em magistraturas. O que não temos, e deveríamos ter, é noção do ridículo e da ignorância. Podíamos perfeitamente colocar a questão deste modo: os portugueses combatem a sua própria ignorância com o ridículo.

Um dos vícios mais comuns da opinião pública é a descredibilização. Imagine-se uma figura de menor relevância que escreve num jornal. Durante determinado período de tempo, comentou sobre certa matéria, sendo que a sua opinião era favorável a um grupo e desfavorável a outro. O que é que faz a opinião pública? Há sempre alguém que conhece alguém. Há sempre alguém que conhece um especialista naquela matéria e que, por conseguinte, aquela pessoa não acerta uma e só diz mentiras. É, aliás, público que ela se transforma em Liliana Romanoff ou que come criancinhas ao pequeno almoço.

É sabido que a democracia é imatura, que os portugueses têm muita dificuldade em lidar com a opinião contrária sem fazer juízos de valor, subjectivos. É sabido que a parcialidade política é muito mais emocional do que ideológica, que a grande maioria dos portugueses desconhece profundamente a raiz e a evolução da sua ideologia política e que, em rigor, há pouca gente a discernir entre os elementos técnicos e os elementos políticos dos assuntos. O problema é que essa imaturidade ofende, é imoral. Dir-se-ia que a opinião pública é mal formada.

08
Ago10

O vírus

jorge c.

O problema do "sistema" não é tanto o sistema em si. Se perguntássemos a todos os portugueses se gostam do actual regime de Estado-Providência em comparação com o que conhecem de outros regimes, arrisco-me a advinhar que uma maioria qualificada de 2/3 responderia que sim. Quer isto dizer que, em princípio, compreende-se que a base do regime não é mázinha de todo. Acontece que, com a sua evolução, há uma série de vícios que se vão entranhando e formando aquilo a que chamamos o "sistema". Esses vícios têm uma tendência viral. Uma vez que alguém o começou, o mais natural é que alguém o continue. Um bom exemplo disso é o entendimento que se dá à expressão real politik e a tolerância com a manipulação de consciências que daí nasce.

Quero com isto dizer que, em rigor, não é o "sistema" que simboliza o regime. É, sim, a perda de valores que serviam para o justificar que constitui a ideia de "sistema". Essa degradação justifica-se com o conformismo, e esse conformismo tem origem na sua característica viral que, como qualquer outro vírus, ataca discretamente sobre a capacidade de reacção das imunidades.

16
Jul10

Crise interna

jorge c.

Apesar de não ter dados concretos, a realidade a que tenho acesso pode servir de exemplo. Empresas de amigos a fechar, amigos desempregados, processos judiciais até ao tecto por causa de créditos, insolvências e por aí fora. Esta conjuntura, nos seus meandros, não é apenas fruto de uma crise internacional. Parte destes problemas teriam sido resolvidos com diferentes políticas e muita gente poderia estar a enfrentar a crise internacional com outra capacidade. Dizer que está tudo bem e que, no fundo, Sócrates é o maior e só não salvou isto por culpa de terceiros, é gozar com estas pessoas. Ou então é não sair muito à rua. O que em muita gente se torna evidente.

08
Jul10

Regionalização - para início de conversa

jorge c.

Por que se fala de regionalização?

Apesar de parecer de fácil resposta, a questão traz mais implicações que o tradicional romantismo político de descentralização. Sendo que falamos de Portugal, há várias coisas a ter em conta: a necessidade, as pessoas, o timing, a organização.

O tema começa sempre pelo regionalismo bacoco, pela rivalidade e pelo sentimento de inferioridade. É inevitável começar mal. A defesa da regionalização nunca foi sustentada pesando prós e contras, mas sim com matéria identitária e populista. Ora, como se pode defender em absoluto algo como a regionalização tendo em conta a qualidade dos nossos políticos no panorama partidário português, tanto na Assembleia da República como nas autarquias? Só a hipótese de caciquismo deixa logo muito que pensar. E se as pessoas nos deixam reticentes, imagine-se os meios, numa altura de profunda crise onde a má organização, o excesso burocrático, a saturação de funcionários públicos (lembremo-nos do recente congelamento e da eventual descida dos salários), a fiscalização e outros assuntos não são de ignorar.

É de notar também que o fim dos fundos comunitários apressa esta discussão e uma parte dos responsáveis até agora estará algo ansioso para lhe dar início. As regiões, vítimas de 30 anos de má política, estão a um passo de ficar sem a ajuda que, ainda assim, foi equilibrando as contas, não obstante os "projectos de interesse nacional" que levaram muito dinheiro que lhes estado destinado para Lisboa.

Estas questões não são, para já, argumentos contra ou a favor, mas sim tópicos de reflexão.

27
Jun10

Soares é fixe

jorge c.

Nestas homenagens ao dr. Soares ouvimos várias personalidades dizer que este homem era o pai da democracia e do nosso sistema parlamentar e mais não sei o quê. Bem, eu sei que o dr. Soares é pai do dr. João Soares, de resto não faço ideia. Lembrei-me então de uma entrevista dada por Melo Antunes em que este dizia claramente que houve um aproveitamento político da revolução por muita gente e que, por mais simpatia que tivesse pelo dr. Soares, ele não era pai de cosíssima nenhuma.

Até o Prof. Freitas do Amaral vem com aquela conversa de endeusamento do dr. Soares. Mas que grande patetice!

Considero Mário Soares um político fora de série e uma figura fundamental no quadro político que se começou a definir mesmo antes do 25 de Novembro. Mas, daí a endeusar-se um homem que cometeu inúmeros erros políticos e cuja relevância é tão grande como a de Ramalho Eanes ou Sá Carneiro, vai um passo muito grande. Mário Soares criou um mito que outros fazem questão de alimentar.

Este país adora estátuas.

 

 

Nota: Não posso deixar de referir a oportunidade desta homenagem a meses das presidenciais. Só por curiosidade.

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