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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

07
Abr13

a lei fundamental do meu país

jorge c.

A História, a grande literatura, o cinema e o teatro ensinaram-nos que, em tempo de guerra, a transgressão dos limites da lei acontece por dois motivos: a necessidade e o oportunismo. A fronteira entre os dois é, muitas vezes, imperceptível. À falta de memória histórica ou de consciência cívica, a arte ajuda-nos a compreender essa fronteira e a desenvolver, em nós, uma especial sensibilidade (ou capacidade de sofisticação) para a realidade económica, social e cultural dos nossos dias. 

A decisão do Tribunal Constitucional, relativamente a 4 (quatro) artigos do Orçamento de Estado para 2013, levantou um conjunto de reacções que nos transporta directamente para a situação acima descrita. Não sei se por pânico, excesso de drama ou apenas por ideologia (não se deveria chamar ideologia a determinado tipo de lugares comuns mas, adiante), generalizou-se um movimento contra a Constituição da República Portuguesa. Este movimento irreflectido e espontâneo, de certo modo medieval, é consequência de alguma incapacidade de sofisticação mas, sobretudo, da instrumentalização de determinados conceitos por pessoas que deveriam ter mais sentido de responsabilidade cívica.

Veja-se a teoria da tridimensionalidade constitucional e, em particular, a Realidade Constitucional. Entende-se que a Realidade Constitucional é a dinâmica própria da sociedade que, muitas vezes, se afasta da matéria fixada na lei. A Realidade Constitucional não pode ser encarada como uma breve necessidade que nos obriga a redefinir a estrutura constitucional por mero oportunismo. Uma das características fundamentais de uma lei constitucional (da lei, no geral) é a sua dogmática. Ela ajuda-nos a garantir a segurança jurídica necessária à estabilidade social e económica (portanto, política). 

O ataque à estrutura constitucional é, com efeito, um ataque à segurança de um regime e às suas garantias. Ao permitir que a lei fundamental de um país seja alterada por mero oportunismo, abre-se um precedente que conhecemos bem de 1933, por exemplo. A Realidade Constitucional nunca pode ser confundida com Realidade Económica. O termo constitucional é muito mais amplo e envolve um conjunto de valores não só económicos mas, também, sociais e culturais. 

Quando nos esquecemos do nosso dever cívico por razões de combate político pouco sustentado, arriscamo-nos a abrir uma ferida profunda na forma que queremos dar ao país em que vivemos. Orientados pela raiva, pelo ódio e pela obstinação político-partidária, perdemos o discernimento e deixamos de reconhecer o que nos trouxe até aqui: a necessidade de vivermos num país livre, justo e em harmonia. 

E, já agora, o Governo não tem de se demitir. O Governo tem de governar mais e dramatizar menos. O Governo tem de ser menos piegas. 

28
Dez12

as minhas coisas favoritas

jorge c.

Em alturas como esta oferece-se dizer que só valorizamos as coisas quando as perdemos. Mas, logo viria alguém discutir o lugar comum e a falta de sofisticação, a pouca urbanidade da coisa e a necessidade de seguir em frente. É a chamada ética dos fúteis. 

É uma merda perder as coisas. É uma merda que sejamos poucos a tentar mobilizar as pessoas para os lugares que sabemos mágicos, onde o tempo não passa e se mantem estático para que, então, uma certa transcendência nos coloque os olhos no futuro. É isso que o Jazz nos faz. É o mais perfeito instrumento da consciência livre.

Pouco pretensioso, o jazz é da rua, é dos bares generosos. Quando as ruas e os bares perdem o jazz, nós perdemos um pouco mais de liberdade, de oportunidade para lançar a conversa num precipício interminável, empurrada pela enxurrada de uísque e de fumo livre.

Hoje, de manhã, acordei com uma notícia amarga. O Catacumbas - o último speak easy, digno do nome, na cidade - fechará em fevereiro. Talvez seja mais uma das consequências do tempo que vivemos. A crise. Porém, pergunto-me se a verdadeira crise não será a mesma história de sempre: a desvalorização das coisas, a troca do brinquedo velho pelo novo, a ditadura da novidade e do trendy e assim sucessivamente. 

Este é o meu maior ressentimento, não o nego. Porque não gosto de perder as minhas coisas favoritas. 

 

 

Até jazz, Manel.

15
Fev11

Da carreira política

jorge c.

Poderia ter mas não tem razão Alfredo Barroso, neste artigo ao qual cheguei através da Alda Telles. Poderíamos começar logo por desmontar o erro lógico do cronista quando este cita Mário Soares - o maior político profissional que o país conheceu desde o 25 de Abril. Ficávamos por aqui e a conversa acabava-se. Não seria sério nem pedagógico. E a nossa função aqui, na blogosfera, muitas vezes, é educar as massas como Arnaldo Matos, mas em bom, do lado do Bem da Força.

A oligarquização dos partidos só acontece por falta de cidadania. A lógica dos partidos é que as pessoas participem no debate público e se desloquem no seu circuito de conforto conhecendo deste modo os actores políticos que se disponibilizam para as representar. A existência numa sociedade democrática pressupõe, assim, duas premissas: cidadania e representatividade.

Posto isto, podemos avançar para a desconstrução do texto a partir desta relação ou até, se preferirem, interdependência. Nenhum partido sobrevive numa lógica de poder sem um aparelho partidário competente e eficaz. Quando falamos em aparelho (lato sensu) temos de pensar na estrutura organizativa, na agenda política, na salvaguarda do legado político-ideológico e na disposição perpétua para o sacrifício pessoal pela causa pública. Ora, nada disto é possível sem uma carreira política de preparação. Um político não tem de ser um técnico numa área específica, mas antes alguém capaz de fazer lobby por essa área juntando à sua volta os instrumentos mais eficazes para a sua concretização.

Chegados aqui, convém dizer que o exemplo que Barroso oferece ajuda-nos a realçar a importância da cidadania. O exemplo dado é, então, José Lello, como um apparatchik. É natural que devido à existência de personagens destas - péssimas, diga-se -  se confunda a carreira política com o aparelhismo carreirista, aquela coisa dos cães de fila sem qualquer competência que não passam de carregadores de pianos com uma pseudo-retórica. Mas é exactamente neste tipo de político que temos de nos focar para compreender que só uma cidadania mais activa os faz desaparecer. Se forem expostos às necessidades das comunidades sendo obrigados a demonstrar as suas aptidões serão facilmente reduzidos à sua insignificância. É o Princípio de Peter. Numa sociedade mais informada e mais exigente isto é possível. Ou, como diria Cavaco Silva, a boa moeda afasta a má moeda.

E por falar em moeda, se calhar se pagássemos bem aos nossos políticos teríamos uma classe mais competente e poderíamos estar a colocar à frente dos mais aptos uma escolha que pudessem seguir, em concorrência com carreiras melhor remuneradas. Não seria também mau de todo discutir a lei de financiamento dos partidos. Porque normalmente esta conversa entra sempre por campos demagógicos e pensar o financiamento numa lógica positiva de remuneração dos seus funcionários, que no fundo estão ao serviço da democracia, pode ser uma solução.

O discurso anti-políticos baseado em figuras específicas é, todo ele, pura demagogia. Não tem consequência nem alternativa. Vive essencialmente da ideia de que alguém tem de ser culpado pelo "estado a que nós chegámos", um culpado com rosto e bem definido que nos ajude a aliviar as frustrações. Pois numa sociedade democrática convém perceber que, no limite, somos sempre todos responsáveis e que parte de nós, da nossa iniciativa individual, tentar melhorar o espectro para que possamos ser melhor representados. O resto é conversa de taberna.

11
Out10

O problema de Portugal, afinal, sempre são os portugueses

jorge c.

Quando o lume aumenta a culpa morre solteira. O estado actual da política portuguesa resumir-se-ia muito bem numa simples palavra: desresponsabilização. Já vimos de tudo nos últimos anos. Nunca tínhamos era visto culpar uma massa geral e abstracta - o povo.

Deixem-me primeiro dizer que compreendo bem o que o autor do texto linkado quis dizer, sendo que chego mesmo a concordar com parte substancial do seu raciocínio e partilho até o mesmo cinismo. O que não consigo entender é o seguinte: como é que se consegue colocar responsabilidades, ainda que indirectas, de má governação por falta de cidadania?

É absolutamente verdade que o défice de cidadania em Portugal é responsável por uma certa decadência de toda a estrutura social e económica. Mas o afastamento dos cidadãos das mais elementares funções sociais (o associativismo, a participação política e nas demais instituições, por exemplo) não pode ser visto como inibidor de opinião pública, sendo esta também uma característica da cidadania, nem tampouco como responsável pela degradação da cena política e pelos resultados efectivos das governações.

Desprezo o discurso anti-político e anti-políticos. O que não posso deixar de observar é que a responsabilidade pela pedagogia e pela autoridade moral é, em grande parte, da classe política que assumiu essa mesma função depois do 25 de Abril, depois de 40 anos de paternalismo e autoritarismo. Onde está a pedagogia dos partidos políticos nas comissões políticas dos núcleos, das concelhias e das distritais? Onde está a demonstração da autoridade moral relativamente ao supremo interesse de cada comunidade? Onde está a opinião pública fora dos grandes centros urbanos, nomeadamente de Lisboa? Onde está o esclarecimento para a cidadania europeia?

Deixem a culpa morrer solteira, mas por favor não abusem das desculpas.

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