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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

23
Jul13

uma ideologia

jorge c.

Há uns anos, falava-se muito de medidas impopulares. Tornou-se um conceito muito utilizado pela direita, já no fim do guterrismo e foi muito desse discurso que levou Durão Barroso ao poder. É verdade que na altura, um gnu com uma placa a dizer PSD ganharia as eleições. Mas, se houve alturas em que um gnu ganharia a Durão Barroso, então podemos assumir que o discurso das medidas impopulares teve os seus méritos. Foi um tempo em que Reforma do Estado era um conceito ainda melindroso. Eu era fã desse discurso.

As medidas impopulares eram compatíveis com o Estado-Providência. Qualquer um dos partidos as podia adoptar. Não tinham um factor ideológico forte, aparentemente, e eram apenas necessidades de um país que pretendia equilibrar-se depois da injecção de fundos comunitários dos anos 90. Era uma questão de prioridades. 

Entretanto, o conceito de medidas impopulares evoluiu, no centro-direita, para a necessidade de austeridade, numa década. O discurso tranformou-se em algo que vai para além das simples necessidades de equilíbrio e começou a afectar o próprio Estado-Providência, o rendimento das famílias, a sustentabilidade das micro e pequenas empresas e o desemprego.

Creio que foi Paul Krugman que definiu a austeridade como uma ideologia. Tendo a concordar. Ao contrário das medidas impopulares, a austeridade tem, de facto, contornos ideológicos. Ela baseia-se na convicção de que se nos focarmos no cumprimento escrupuloso da dívida e no controlo rígido do défice, seremos mais competitivos e o sol brilhará para todos nós. Pelos resultados que vamos vendo, espelhados na dinâmica socio-económica, pode ser que não seja bem assim. 

Não deve haver medo em assumir a narrativa ideológica da austeridade. Será, de certo, mais honesto do que vendê-la como uma necessidade imediata. As tranformações sociais provocadas pela austeridade são políticas; são decisões tomadas com base numa convicção. Ora, estas transformações não são escurtinadas de forma transparente por dois motivos: esconde-se a intenção ideológica e esonde-se a origem da orientação da mesma. Se há uma política europeia clara e inequívoca pela austeridade, e que está a ingerir no contrato que os eleitores fizeram com o seu Estado, então parece-me mais lógico que a votemos. Democraticamente. 

Não há qualquer problema em discutir ideias, desde que se assuma que são ideias. A sua não-assumpção é que é uma neblina contrária aos princípios que todos acordámos.

15
Jul13

é a economia, estúpido

jorge c.

Alguém dizia, há uns dias, que quando em tempo de crise se fala à carteira das pessoas, há uma imediata aceitação do discurso. É a isto que chamamos populismo.

Mas, para além do populismo habitual e perigoso de moralistas como José Gomes Ferreira, Camilo Lourenço ou o Pato Donald, há um discurso, noutra linha, também ele perigoso e que já conduziu o país a 40 anos fora dos mercados (do mercado da liberdade, da igualdade, da democracia, etc.). É o discurso da prevalência da economia, que nos diz que a sociedade corre por motivos económicos, como uma finalidade.

O objectivo de um sistema como a social-democracia, e por ter nascido no pós-Guerra, é tornar evidente que as democracias são regidas pela política, pelo interesse público e pela necessidade de paz e harmonia social.

Quando a construção de uma nova narrativa passa a desenhar a finalidade financeira e económica, então sabemos que nos estamos a desviar do objectivo inicial. A única forma que um discurso sobre a prevalência da economia tem de triunfar é através da coação, da imposição, da negação de liberdades individuais e colectivas, do empobrecimento estrutural do país. Ao aceitarmos empobrecer, aceitamos não nos desenvolver, porque o empobrecimento pressupõe desigualdades mais abrangentes, como se viu no Estado Novo.

Por isso, sempre que me falarem de superavits, de cortes na despesa e de pagamento da dívida, cantarei a Maria da Fonte.

12
Mai11

Informação vs Conhecimento

jorge c.

Julgo que foi Steffen Giessner que falava, há precisamente uma semana, de como a informação não é por si só cultura. Frank Zappa também já o tinha dito, curiosamente. Parece uma coisa bastante óbvia, mas é ao mesmo tempo um flagelo. O conhecimento wiki, superficial, linkado, é hoje uma das maiores evidências na web. Dou o exemplo do twitter, onde apanhava constantemente um cidadão a fazer a revista de imprensa de jornais todos os dias, logo pela fresquinha, com links de 5 em 5 segundos. Há aqui quase uma impossibilidade cósmica de conseguir ler pouco mais do que as parangonas. Esse exibicionismo existe e muito.

Mas regresso a este tema porque me parece claro que há hoje uma marca de água do excesso de informação e a falta de cultura ou conhecimento, como preferirem. A economia é um assunto quase paradigmático nesse sentido. De um já ultrapassado "É a economia, estúpido!" passámos a um mais sofisticado "leio Krugman, logo sei de economia" ou "vi o inside job, logo compreendo a crise". Todos parecem ter bastantes certezas sobre uma ciência que nem sequer é exacta. Mas como explicava Roubini no outro dia, os problemas da crise são complexos e não se cingem a fórmulas milagrosas. É necessário compreender a natureza, a estrutura e a evolução do objecto para lhe determinar um diagnóstico. Depois disso será preciso compreender a contextualização e a subjectividade social e cultural desse mesmo objecto para construir uma solução ou algumas soluções possíveis com as devidas consequências.

Ora, no meu entender, Krugman não faz este exercício e não avalia as consequências do seu próprio exercício. Esse não tem dimensão política subjectiva e, portanto, ignora um conjunto de realidades que saem da esfera económica. O que faz sentido no seu universo, mas que não deveria fazer para nós que temos uma percepção diferente da realidade. Não quero, de forma alguma, subvalorizar o papel de Krugman. Quero apenas chamar a atenção para um problema de superficialidade no debate político comum, de futilidade até, diria, com base em algo que se leu e que se entende como um dogma em si mesmo. A assertividade das ideias decoradas não faz necessariamente com que compreendamos o meio.

10
Mar11

Enriqueçam, meus queridos

jorge c.

Ora então muito bom dia a todos. Queria aqui anunciar em primeiro lugar que hoje é dia 10 de Março e, agora que estamos todos familiarizados com o conjunto musical Bloco de Esquerda, podemos seguir com as notícias do dia que nos fizeram chegar à capa da Forbes. Está tudo bem já que mantemos 3 cavalheiros nos mais ricos do mundo. Eu fico muito satisfeito. Até acho que devíamos começar a tratá-los como tantas vezes fazemos com profissionais da Pátria. Sempre que alguém se referisse a Belmiro dizia "o nosso Belmiro de Azevedo". Ou então, "o nosso Américo Amorim". Devíamos ter orgulho nos nossos milionários que parecem fazer sucesso lá fora. Essencialmente é isto que nos falta. Basta de ressentimento com o'rrricos. Vamos deixá-los ser ricos e criarem postos de trabalho para que o país cresça e para que, assim, acabemos com os pobres. Não era muito mais espectacular acabar com os pobres? Olhe que sim.

27
Fev11

Not searching for the real thing

jorge c.

Leio por aí que há muitas expectativas no encontro entre Sócrates e Merkel. Nos meios de comunicação social lê-se que os dois encontrar-se-ão para discutir a posição da Alemanha em relação à ajuda a Portugal. Mas ninguém parece querer saber qual a posição de Portugal em relação ao ritmo imposto pela Alemanha em termos fiscais e de crescimento económico. Das duas uma: ou o Governo português não tem uma posição para defender porque não tem força política na UE, ou os media não ligam muito a esse factor, o que me parece estranho já que a comunicação e assessoria do Governo é conhecida pela sua competência. Vou mais pela tese da nossa incapacidade de discutir a Europa com os nossos parceiros.

E se assim é, por que razão não aparece agora o PSD a assumir uma posição forte e consistente sobre a forma como Portugal deve enfrentar aqueles que lhe impõem regras desproporcionais? Como não haveremos de ficar com a sensação de que a nossa governação e a oposição estão a viver noutro universo?

08
Fev11

Mas que gente tão parva

jorge c.

Gosto muito de leitinho com chocolate. Não de um leitinho com chocolate qualquer, mas sim de Suchard Express, e ninguém me paga para isto. Gosto muito de viver num país onde posso escolher o leitinho com chocolate que me apetecer. Já as pessoas no Egipto não têm tanta sorte. Não se trata só da crise, que também há no Egipto, não é só aqui, mas de um conjunto de narrativas políticas que não são muito favoráveis à existência do Suchard Express, dando exclusividade ao tenebroso Ovomaltine. Já vimos isto a acontecer e não foi bonito. O Ovomaltine é horrível! Pelo que gostaria muito que as pessoas do Egipto como eu e tu tivessem acesso à livre escolha do leitinho com chocolate. Eles até nem se importam de passar por uma crise de sacrifícios e assim se, pelo menos, tiverem direito a escolher entre o Ovomaltine e o Suchard Express derivado ao assunto do preço. Pelo contrário, por cá, a nossa cena já é outra: é termos acreditado que poderíamos beber muito leitinho com chocolate sem nos preocuparmos muito. É tudo uma questão de expectativas. Criou-se a expectativa de que estava tudo bem, e depois de nos fazermos à vida ia continuar tudo bem na mesma porque, seguindo as exigências do progresso, tínhamos feito tudo by the book. Acontece que não foi assim e houve uma - como é que se diz? - frustração de expectativas, que é uma cena tramada que costuma resultar em depressões (modernices). De um momento para o outro, ou não temos dinheiro para comprar leitinho com chocolate ou não temos tempo para o beber, e não era nada disto que tínhamos combinado. A expectativa é uma característica muito forte das sociedades modernas porque é ela que vai catalisar a dinâmica de consumo. Quando as expectativas são frustradas a sociedade ressente-se, mesmo que em rigor os mínimos garantidos continuem a ser cumpridos. Como alguns começam a deixar de o ser - porque a vida é assim mesmo - há gente que faz barulho, que se manifesta de algum modo, nem que seja com canções. O Tony Carreira andou anos a cantar o amor proletário e ninguém ficou muito incomodado. Ou a grande Linda de Suza e La valise en carton. Mas, desta vez, por causa da banda da Damaia, levantou-se aí um sururu com contornos ridículos. É que a frustração de expectativas não é um problema da esquerda ou da direita, é um problema de todos que construímos (mos) um sistema, torrámos o guito todo e agora não temos como dar resposta às expectativas que alimentámos durante duas décadas e meia. Se isto não é motivo suficiente para um gajo ficar indignado e escrever uma merda de uma canção, então traga-se o Mubarak que aqui é mais a cena dele. Admitindo perfeitamente a infelicidade da minha frase anterior se não atendermos ao seu toque de ironia, insisto nela por ver à volta de uma canção catastrofistas e anti-catastrofistas a esgrimar de poltrona para poltrona a ver quem é que tem mais razão sobre a vida dos cidadãos que querem apenas continuar a beber leitinho com chocolate sem grandes preocupações.

05
Fev11

O Euro e a Alemanha solipsista

jorge c.

Angela Merkel, chanceler alemã, e Nicolas Sarkozy, presidente francês, que falaram à imprensa do seu pacto antes mesmo de o apresentarem aos parceiros durante o almoço de ontem, explicaram que o critério central deste pacto será alinhar todos os países com o mais bem sucedido. O que é encarado como uma forma de impor a disciplina alemã a todos os países europeus.

Ora, aqui está o real problema da estrutura político-económica da União Europeia, ou aquilo que alguns têm vindo a determinar como o problema sistémico da UE. Tenho tido esta conversa com algumas pessoas, em particular com o Paulo Coimbra, e chegamos sempre à conclusão - talvez única - que países com realidades político-económicas diferentes não podem obedecer aos mesmos graus ou critérios de exigência. A Alemanha tem de se capacitar que a integração europeia também passa por fazer cedências no campo solidário. Mas aqui não se trata já de uma questão de esforço e empenho, mas antes de uma impossibilidade. É como querer que um Mini carregue 4 toneladas com a mesma eficácia de um camião TIR. É esta a discussão que temos de ter antes de discutir investimentos públicos e afins: qual é o caminho estrutural que queremos dar à UE?

13
Jan11

Ando a tentar perceber...

jorge c.

Isto sou só eu a pensar. Voltando a um post anterior, e sempre com a noção da minha ignorância, acabo por pensar mais sobre a natureza da política do que propriamente nas suas circunstâncias. Portanto, acredito que é necessário combater o relativismo da natureza porque é essencial que os povos tenham a certeza do modelo que estão a seguir de modo a compreenderem as circunstâncias. O modelo - no caso, económico - é, assim, o ponto fundamental desta nossa discussão.

A pergunta que se coloca é: devemos seguir o modelo actual ou um que achamos melhor? Pode parecer estúpida e infantil, esta pergunta. Eu também achei quando a formulei. Mas, depois percebi que podia haver várias respostas e todas elas faziam sentido. Primeiro, posso dizer que se há um modelo que considero melhor então é esse que devemos seguir. Segundo, se estamos integrados num modelo conjunto então temos de o respeitar. Isto continua a parecer parvo, mas eu já concluo. Postas as coisas nestes termos, fará sentido responsabilizar sujeitos externos? À partida pode parecer que sim, o que é até bastante sedutor para quem a primeira necessidade é defender uma governação, mas se virmos bem não faz qualquer sentido. Repare-se no primeiro argumento: se eu considero que há um modelo melhor então tenho que sair do actual. Não faz sentido proceder à prática de um modelo não vigente, principalmente quando não se está sozinho. Acabamos por cair numa resposta única: devemos seguir, no sentido de colaborar, com o modelo actual. Podemos discutir a sua eficácia e os seus resultados, mas não nos podemos justificar com políticas de um modelo que não praticamos.

12
Jan11

They locked up a man who wanted to rule the world, the fools, they locked up the wrong man

jorge c.

Gostava imenso de saber mais de economia para poder compreender todas as desculpas possíveis para desresponsabilizar governos. É claro que eu discuto sempre da perspectiva da ignorância e longe de mim criticar gente tão informada e conhecedora das circunstâncias.

O meu problema é que eu tenho uma tendência para a assunção de responsabilidades em política, e por mais que a economia esteja sempre dependente das tais circunstâncias e se torne muito difícil prever o comportamento dessa corja de malfeitores que por aí anda à solta no mundo, não posso deixar de acreditar que a prudência e a responsabilidade são factores chave para a antecipação de problemas. Ufa, que grande frase...

Posto isto, restam-me algumas questões. O governo português, ao que se sabe, está integrado, juntamente com o Estado que representa, numa União Europeia. Assim de repente, o governo é bem capaz de estar a par das restrições orçamentais a que essa União obriga. Não será que, nesse sentido, seria de assumir a responsabilidade do não cumprimento daquilo a que se comprometeram perante os seus pares? Seria também interessante perguntar a razão de colocar a culpa num partido europeu. Tenho uma péssima memória e um arquivo pobrezinho mas, se não estou em erro, foi o actual governo que promoveu e assinou o Tratado de Lisboa, conhecendo os riscos  das imposições dos países mais fortes e conhecendo a estrutura política da UE. Se calhar aproveitava o facto de estarmos aqui todos e perguntava se faz sentido basearmos a nossa posição relativa a responsabilidade política em factores hipotéticos e sistemas financeiros que não existem, ou se era capaz de ser mais lógico responsabilizar a política pelo sistema real e efectivo em que ela assenta.

Em todo o caso, por amor de Deus, não quero estar aqui a pôr em causa a verdade do sistema financeiro que corrompe o homem e assumo desde já toda a minha ignorância. São só algumas questões que me surgiram durante a noite e nestas coisas devemos sempre falar para não ficar com nada cá dentro, não vá o diabo tecê-las.

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