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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

13
Set11

Métodos quantitativos

jorge c.

Parece que a OCDE quer passar a concorrer com o Guinness. Para a organização, o relevante em programas como as Novas Oportunidades parece ser o método quantitativo e o resultado consequente. É indiferente se, neste programa de ensino, houve um reforço essencial das competências que justifiquem uma nova graduação.

Provavelmente, aqueles que como eu não acreditam na legitimidade destes diplomas, estão enganados e quem está certo são os defensores das Novas Oportunidades e a OCDE que relativizam o valor do mérito e optam pelo primado da quantidade de diplomas. Também é provável que o mercado de trabalho queira apenas gente mais habilitada mas, com o mesmo nível de competências, para efeitos estatísticos.

Tudo isto é provável. Mas, daí a "sustentar o sucesso de Portugal"... permitam-me discordar. O que pode sustentar o sucesso de Portugal é a sua capacidade para competir, os seus índices de inovação social e económica, o seu potencial empreendedor, a mobilização cultural e artística, etc. É com estes indicadores que Portugal é bem sucedido, porque isto só acontece quando os recursos humanos reúnem um conjunto de competências que lhes permite desenvolver ferramentas que sustentem o desenvolvimento. Em suma, só acontece por causa do mérito posto em prática.

Nenhum sucesso é mensurável pela quantidade, a não ser o dos recordes do Guinness.

18
Mai11

Igualdade de Oportunidades

jorge c.

O tema da semana são as Novas Oportunidades (NO) e, como não poderia deixar de ser, a defesa do programa passa por dados estatísticos e o sucesso avaliado por uma auditoria monotorizada pelo saudosíssimo Dr. Roberto Carneiro. A vida tem destas pequenas ironias.

A minha questão com as NO não é nem a sua intenção, nem o sucesso que parece ter entre os seus formandos e formados. É perfeitamente natural que se olhe para esta oportunidade de aumentar as habilitações literárias com bastante entusiasmo. Acho isso óptimo. A verdade é que o modo como o programa é executado suscita-me dúvidas. Vejamos, então, as declarações do tal Dr. Carneiro aqui.

Não obstante a satisfação pela oportunidade que lhes é concedida, não podemos passar uma esponja nas diferenças académicas entre estas pessoas e as que fizeram o percurso curricular comum. Não será de todo justo que seja atribuída a mesma habilitação a uns e outros. Parece-me lógico.

É neste sentido que corre a crítica ao programa em causa. E, ao contrário do que diz o Pedro Marques Lopes, não acho que seja um caso de sucesso em sentido amplo, mas sim em sentido muito restrito - o das estatísticas. Sim, um achismo, porque a política também é a nossa convicção sobre as matérias, aquilo que acreditamos ser ou não ser um caminho certo para um objectivo comum, neste caso a igualdade de oportunidades.

 

Adenda: "A avaliação externa do programa Novas Oportunidades não contemplou, até hoje, uma aferição directa da qualidade da formação ministrada no âmbito desta iniciativa, que, em seis anos, permitiu a certificação de 520 mil pessoas com diplomas do 4.º, 9.º e 12.º anos, confirmou ao PÚBLICO o investigador Joaquim Azevedo, um dos peritos que têm acompanhado o trabalho de avaliação iniciado em 2008." (sublinhados meus)

04
Jan11

A grande corrida das políticas de educação

jorge c.

Acredito que os resultados do PISA sejam maravilhosos e que estejamos todos de parabéns, principalmente Maria de Lurdes Rodrigues (paz à sua alma). Acredito que Portugal esteja a cumprir by the book o caminho do ensino progressista em que o importante são os resultados e o fundamental é não reprovar alunos. São ideias políticas que respeito, mas com as quais não consigo concordar. Sei muito pouco - quase nada - de políticas de educação para além do que vou lendo nos media. Mas, por empirismo, parece-me que mais do que resultados a educação faz-se de conhecimento profundo e sólido.

Ora, um Estado apostado em resultados, por uma lógica de finalidade, desenvolve conteúdos para alcançar esses resultados, sendo que esses conteúdos poderão não corresponder àquele conhecimento profundo e sólido. Repare-se que não questiono os planos de recuperação e todas as alterações administrativas. Não estamos aqui num plano administrativo ou burocrático, mas sim no plano matricial da educação. E nesse plano esta notícia não pode passar ao lado de quem abanou o cartaz do PISA. Eu, que nada sei de educação, gostava que me fosse esclarecido, mesmo que por números e gráficos e comparações com o Sudão ou com o Pólo Norte, o modo de relacionar estes dados.

03
Jan11

"Uma ideia de Europa"

jorge c.

O Presseurop convidou 10 personalidades para escrever sobre uma ideia de Europa, entre as quais Gonçalo M. Tavares, Fernando Savater ou Anon Grunberg. A visão destas 10 personalidades é, felizmente, muito positiva e coloca a Europa num caminho cosmopolita que pode beneficiar todos os cidadãos europeus e até os que vierem de fora. Pede-se mais abertura, novos rumos com nova gente, uma atitude sofisticada e ao mesmo tempo solidária.

De certo modo, estas visões acabam por ter, na sua maioria, mais de utopia do que de realidade. Não digo isto com ressentimento, mas sim com preocupação. É possível que se sonhe demasiado e se deixe de dar atenção ao que se está a passar em tempo real.

Leia-se este exemplo de Loretta Napoleoni, economista italiana, que vê solidariedade nos motins londrinos do passado mês, vê uma atitude semelhante à do Maio de 68 nos jovens de hoje, por toda a Europa. Falamos, claro, dos mesmos jovens que deixaram passar a Convenção de Bolonha sem questionar as suas consequências no plano do conhecimento (a base estrutural de uma comunidade esclarecida), nomeadamente em matérias mais clássicas. Os mesmos jovens que assistem serenos às alterações da sua economia através de uma autoridade que não elegem e se resignam com a precariedade cada vez mais frequente no espaço europeu.

Comparar estudantes de há 40 anos com os de hoje é pura ficção. Senão vejamos uma particularidade do mercado contemporâneo: a especialização. Qualquer licenciado é, hoje, um técnico em área específica. É pouco provável que se olhe para a sua formação como uma mera base para um trabalho muito mais amplo e se lhe reconheça legitimidade para outras competências. No currículo de um jovem licenciado é mais importante o seu grau académico do que a experiência vivida e todas as suas actividades extra-curriculares. É evidente que aqui assumo uma questão pessoal, logo parcial. A verdade é que esta realidade não é uma invenção desse meu hipotético ressentimento e constitui - mais uma vez - um factor de preocupação dentro de um caminho impreciso.

Estamos longe de uma geração uniformizada com um carácter social e cultural nivelado por cima. Estamos ainda mais longe de uma uniformização económica dentro dessa geração. As possibilidades de circular não são as mesmas. As oportunidades existem, mas a possibilidade é outra coisa. E enquanto existir esse impedimento, seja cultural ou económico, as elites de hoje só poderão ser substituídas por novas elites e não por uma geração livre e solidária, como parece ser o ideário da economista italiana.

Devemos sempre alimentar este cosmopolitismo de proximidades, como tão bem descreveu Steiner. O que não podemos é ignorar o resto da fotografia.

12
Set10

Educar para a saúde

jorge c.

Acabo de ver Philadelphia pela décima vez, aproximadamente. Perdi a conta ao número de vezes que revisitei o filme. Se o Muro tinha sido um acontecimento significativo na minha visão mais universal, este filme foi fundamental para a minha educação enquanto homem e enquanto cidadão. Em 1993 tornava-se claro para mim que era preciso informar, divulgar e, mais do que tudo, educar. Em 2010 ainda se discute se a educação sexual é um bom ou um mau tema para darmos às nossas crianças, porque, tal como em 1993, ainda não se compreendeu que é de saúde que estamos a falar e não de intimidade.

 

27
Jun10

Sobre a educação sexual a um Domingo de manhã

jorge c.

Que Deus Nosso Senhor me perdoe que hoje é Domingo e nem se devia falar destas coisas. Mas tenho ouvido tanto disparate sobre a educação sexual nas escolas que me é difícil a abstenção nesta matéria.

Será que alguém no seu perfeito juízo acha que o Estado se prepara para interferir na esfera mais íntima dos seus cidadãos intruindo-os nos prazeres carnais e, de algum modo, no deboche e na devassidão? Custa-me a crer que em pleno séc. XXI ainda haja quem pense na sexualidade como um segredo sem qualquer componente biológica e que por isso é melhor não tocar no assunto.

Há um sem número de temas relacionados com a sexualidade que são pequenos avanços na nossa compreensão da humanidade e da vida em comunidade. Julgo que ensinar a uma criança para que serve um preservativo sem qualquer tipo de desconforto não será o mesmo que introduzi-la à aplicação oral do mesmo objecto no órgão sexual masculino.

Somos, ainda hoje, vítimas de uma péssima relação com a sexualidade. Ainda hoje ela é muitas vezes iniciada com um défice preocupante de informação e sob uma ideia distorcida da forma como lidamos com o inevitável instinto. Talvez para muitos seja melhor continuar a alimentar tradições como a desfloração do rapaz, numa pensãozeca com uma profissional não-sindicalizada da área pela mão do próprio pai, e manter o discurso o mais obscurantista e moralista possível cá fora, do que educar social e cientificamente alguém para que não cresça ignorante e tenha uma relação mais saudável com os outros e até consigo mesmo.

17
Jun10

A facturinha

jorge c.

90% de reprovações num exame que me garantiram ser acessível, para não dizer fácil. Muito se há-de dizer disto: que o bastonário é um malandro (e é, mas não interessa), que eles querem é despachar este pessoal e estrangular a entrada na ordem porque há gente a mais (no mundo também há gente a mais) e muitas outras coisas. Pode ser tudo verdade. Mas não é isso que importa agora. Para mim o culpado é sempre o Dr. Soares.

O que importa agora é perceber a linha dos acontecimentos, as causas e as consequências. Portanto, Bolonha foi um processo vergonhoso e conduz algumas licenciaturas à total indignidade, sendo Direito uma delas. Os alunos vêm do secundário com fracos índices de exigência e a Universidade deixou de o ser, passou a ser o terciário com avaliações contínuas e trabalhos de casa. Acabam as licenciaturas com 21 ou 22 anos e sabem lá o que querem da vida. Vão para o que estiver mais à mão e a mentalidade vigente do doutor ou engenheiro não lhes dá alternativas (já na escolha do secundário é assim). Se não podem entrar na Ordem vão fazer o quê, o CEJ? É difícil. Consultoras? Lotadas e agora anda-se aí com a mania de acabar com o outsourcing. Mesmo assim as consultoras também são exigentes com as médias e estabelecimentos frequentados. Depois não podem exercer a profissão para a qual estudaram por causa da procuradoria ilícita. Por isso, que andaram a fazer 4 anos? Nada. A gastar dinheiro aos pais, a ganhar depressões e a dar dores de cabeça ao Estado porque a empregabilidade é baixíssima.

Podem sempre ir para os supermercados, que também não devem estar a empregar muita gente e pagam pouco mais do salário mínimo que, para quem se habituou a um estilo de vida estável e ingressou na Universidade com o objectivo de pelo menos ter um salário próximo dos 1000€, não é assim muito motivador. Ou então as obras. O problema é que o sector da construção também está malzito.

Conclusão, uma grande trapalhada que podemos todos agradecer ao idiota do Dr. Roberto Carneiro e a todos os que viram e vêem no ensino um negócio ou um objecto de experimentalismo social. E o Dr. Soares, claro. O Dr. Soares é sempre culpado até prova em contrário.

 

13
Jun10

A política dos resultados

jorge c.

Um dos grandes trunfos do governo Sócrates foram sempre as estatísticas. Lembremo-nos todos que o Primeiro-ministro ainda é de uma geração (completar com frase mais conveniente). Certamente que essa geração de Sócrates nunca ouviu falar na subjectividade das próprias estatísticas e no relativismo das circunstâncias. As estatísticas não concluem nada, em rigor. Elas limitam-se a desenhar um quadro que pode estar viciado. Aliás, é grave quando se começa a trabalhar para as estatísticas e utiliza-se isso como um fim e não como um instrumento comum de análise. Mas Sócrates é apenas um exemplo desta forma errada de jogar com a política e com o desenvolvimento económico-social.

 

Hoje, pelas Universidades, pelas empresas e institutos há uma duvidosa política de resultados que domina os esquemas de gestão. Esta política dos resultados tem ferido a empregabilidade (tanto para quem está em início de carreira como para quem deixa de ter uma idade aceitável para o "factor concorrencial"), tem agredido a função social destas instituições e tem contribuído para uma cada vez maior falta de cultura solidária e de solidez moral dentro das comunidades.

 

Porém, não seria difícil explicar a uma criança de 8 ou 10 anos que o resultado em papel pode não significar uma solidez da fórmula, pode ter um erro de cálculo, como uma trapalhada, como pode ainda ser intempestivo. Uma criança perceberá isso com facilidade se lhe explicarmos com exemplos práticos como a arrumação do quarto, a batota nos testes, entre muitas outras coisas. Chamamos a isto a formação de carácter, onde ela aprende a não enganar, nem aos outros nem a si própria.

Com os adultos só podemos acreditar que estão apenas a querer enganar terceiros. Enganar aqui significa ignorância e má-fé.

 

A política dos resultados é hoje aceite com uma facilidade que me custa a acreditar que anda toda a gente devidamente medicada e põe-me em dúvida pela minha segurança na rua, pela estabilidade do meu futuro profissional e pela educação dos filhos que, cada vez mais, penso seriamente em não vir a ter.

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