Hail to the Chief
Quando Obama entrou na sala do Congresso, ontem, percebeu-se mais uma vez que na cabeça daquele povo há algo muito mais importante que uma mera disputa partidária. Está-lhes nos genes o debate pelo interesse nacional. Tem sido assim ao longo dos últimos dois séculos e pouco. O discurso do State os the Union tem esta dimensão política universal e estratégica que faz sentir aos americanos que há um Commander in Chief. Ontem não foi excepção.
Bem sei que tenho andado um pouco obcecado com a radicalização do debate político em Portugal e que tenho insistido muito nas críticas ao sectarismo por considerar que este não beneficia o interesse nacional. Pois foi exactamente por aí que Obama começou, como seria de esperar, depois do tom excessivo a que chegou o debate americano e principalmente perante o que se passou em Tucson há poucas semanas. Uma cadeira vazia no Congresso foi suficiente para que todos pudessem perceber a gravidade do seu comportamento, dos seus discursos, das suas guerras partidárias.
É claro que a comparação é inevitável e olhamos para um Presidente que apela à colaboração, ao trabalho em conjunto por um desígnio, ainda que com discussão (muita) sobre cada pormenor do que está em causa. Vemos um Presidente a galvanizar em vez de dividir e pensamos nos nossos líderes e nas suas palavras que promovem antes o entrincheiramento.
Mas, que se engane quem acreditar que é possível continuar a fazer comparações com o resto do discurso. A realidade económica e monetária dos EUA é muito diferente da nossa. E quando digo nossa, digo da Europa, já, e não tanto da portuguesa, porque dessa então nem se fala. Obama mostrou como se faz política falando na necessidade de alimentar o desenvolvimento do país na tecnologia, na mobilidade e na comunicação. Falou no compromisso que o Estado deve assumir para ajudar os seus empresários a prosperarem para que todos criem riqueza e emprego. Falou na escassez de recursos, mas também se referiu às prioridades nos cortes da despesa e que isso não pode passar por aquilo que uma sociedade tem de mais básico: a educação, a saúde. E a política faz-se deste jogo de cedências, de piscar de olhos à direita por saber que agora o Congresso é maioritariamente republicano.
E depois a diplomacia. Sempre a política externa dos EUA presente no discurso do Presidente porque isso também define a sua estratégia económica e a paz social que o país assume como prioridade em tempos de crise, revoluções, catástrofes e terrorismo.
Porém, não me compete a mim fazer uma análise profunda do discurso de Obama. Interessa-me essencialmente fazer perceber que o que se viu ontem foi um discurso de liderança, de rumo, de estratégia e de cooperação. Um discurso inspirador que olha para o país como um todo, onde não há americanos de primeira nem de segunda, onde a mesquinhice tem de ficar muitas vezes de lado.
Não temos de copiar nada. Mas podemos aproveitar esta capacidade de nos inspirarmos a nós próprios, de nos motivarmos e responsabilizarmos pelo nosso papel enquanto cidadãos. Talvez assim, um dia, tenhamos direito a uma boa liderança.