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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

09
Mai11

A birra do vídeo

jorge c.

Ah ganda Benfica! Até os comemos! Entretanto o jogo acabou, a euforia passou mas eu estava muito entretido a comemorar a vitória final do grande Milan, do grande Infesta e do... Benfica no jogo com o Rio Ave. Nem me apercebi do que continuou a dar na TVi até aparecer José Castelo Branco. Mudei de canal e vi Marco Borges a ser entrevistado por Miguel Guilherme. Hesitei. O que será isto? No twitter um conjunto de cidadãos muitíssimo mal informados gritava contra a RTP, que era uma vergonha, que patati-patata. Esperei mais um pouco e vejo isto. Desatei à gargalhada. Obrigado senhor Deus por me teres dado a oportunidade de viver para ver este episódio que, para já, é a melhor cena de humor que vi em toda a minha vida. Quando voltei a olhar para o twitter, a gritaria continuava. "Uma vergonha, reallity shows na RTP"! Não queria acreditar. Eu achei que uma reacção imediata nos levaria a todos a pensar isso. Mas depois de duas ou três cenas pareceu-me mais do que evidente do que se tratava.

As pessoas não são só estúpidas. Também o são. Têm alguma dificuldade de relacionar e distinguir pequenos pormenores. A culpa não será totalmente delas. Mas, já será culpa delas levarem a vida tão a sério. Estão tão empenhadas no seu ressentimento que não têm tempo para rir com o que não é óbvio, com o que não lhes é apresentado em letras bem gordas a néon como "Humor".

É engraçado que tudo isto tenha acontecido no mesmo dia em que um conjunto substancial de palermas andou pelas redes sociais a tentar desconstruir um vídeo (já falámos nisto, já chega). A história de hoje, que ontem ainda era tímida, é que se trata de um vídeo patriótico. Até os Finlandeses foram bem mais sensatos na sua reacção. Isto merece-me dois ou três comentários.

Chamar patriótico a um video humorístico é, em si, todo um programa. Basta pensar ao contrário: se fosse um vídeo a gozar com a história de Portugal a reacção seria a mesma? Se a natureza do vídeo é humorística, toda a sua narrativa estará condicionada. Seja para quem o vê com orgulho ou com desprezo. A natureza das coisas é muito importante para as compreendermos. Eu vi muitos amigos histéricos de alegria e orgulho no seu país com o vídeo. É claro que também isso é uma palermice. Mas esse patriotismo bacoco que resulta de uma reacção não é o objecto em si próprio, é uma consequência possível, tal como o é o desprezo pelo mesmo objecto.

Este pequeno raciocínio é algo que deveríamos fazer em pouco tempo: 2 ou 3 segundos. A partir daí decidimos se gostamos ou não. O que não podemos fazer é entrar logo pela madeira adentro com reacções explosivas. Depois não voltamos atrás por orgulho, birra e carolice. E quando dermos por isso, perdemos anos de vida irritados com um disparate. Nosso, um disparate nosso.

Outra questão que se começa a valorizar é a do dinheiro dos contribuintes que foi usado para fazer o vídeo. É um vídeo institucional? Não sei se é. É verdade que foi apresentado num evento organizado por uma câmara municipal e apresentado pelo respectivo Presidente, mas não sei quem é que o pagou. Sei que num evento como as Conferências do Estoril é perfeitamente normal que se realizem este tipo de produtos: vídeos promocionais, publicidade institucional, entretenimento, etc. Com a quantidade de patrocínios que isto leva, falar em dinheiro dos contribuintes é de uma desonestidade sem dono. Depois de uns dias a falar da crise, este vídeo foi um alívio de entretenimento. Muita gente não sabe como isto nasceu e onde, mas há quem saiba e continue a insistir na mesma tecla. Se isto não é pura birrinha...

Enfim, já chega de falar deste assunto. Move on!

20
Mar11

it's only words

jorge c.

Fiz uma experiência hoje com uma tenebrosa piada de mau gosto. Num universo de 4 pessoas, 2 ficaram irritadas. É uma perentagem que me assusta. Por que é que se liga tanto às palavras? Num célebre Crossfire, Frank Zappa explicava que eram só palavras, que não devíamos fazer grande alarido sobre isso. Piadas sobre a morte, a doença, a incapacidade, a identidade, são sobretudo piadas sobre a condição humana. Porque - nas sábias palavras de Eric Cartman - a vida é uma merda e depois morremos. Valerá a pena estarmos tão preocupados com a parvoíce alheia?

As pessoas levam-se demasiado a sério. Criaram o hábito de se lamentar elevando os sentimentos a níveis que a mais profunda das misérias não atinge. Finge-se a dor que deveras se sente, como dizia o outro. Parece uma coisa mais ou menos definida por regra: oh! temos de sofrer e não suportamos que nos falem do assunto. Será que a minha dor por ter perdido um pai é mais profunda que a dor de um amigo pelo mesmo motivo? Isso é quantificável? Será o meu sentido de humanidade maior ou menor do que o de alguém que tem obrigatoriamente de lamentar a sua própria dor? I feel the pain of my brothers in Africa. Claro. Todos os dias, logo após o pequeno-almoço.

Sabem por que é que gosto do Ricky Gervais? Porque ele vai para além. Ele transgride a mais fina das linhas do mau gosto e provoca um choque naqueles que menos se habituam a libertar a sua cabeça de formas convencionais. Os palavrões, por exemplo. Qual é o problema das pessoas com os palavrões? Uh! As pessoas conseguem ser cruéis com os outros, dizer as maiores barbaridades e ofender a dignidade alheia, e ainda assim: palavrões é que não!

Seja pela utilização de palavrões ou pela acidez das piadas, não há nada que ofenda senão a cabeça do ofendido que vê o mundo com a sua própria incapacidade de se rir de si mesmo. Julgar o parvo pela piada é, também, desconhecer a sua intimidade e o seu universo. E este é o primeiro passo para o ressentimento - julgar.

O meu pai lê este blog diariamente. Se eu disser aqui que preferia que ele estivesse morto para não ter de passar pelo constrangimento de lhe ligar para dizer "Feliz dia do Pai" ou porque este é um dia que me faz gastar dinheiro que em tempo de crise não me convém, ele ia achar piada. Porquê? Porque ele não se leva demasiado a sério. A relação não se faz disso, mas da cumplicidade e da compreensão que levam a que isso seja possível sem que para tal eu tenha de me ver privado dos 50 euros que vou receber de herança, já que o resto ele gastou com a família gerada no Ultramar. It's just words.

25
Jan11

Humor de campanha

jorge c.

 

Uma das curiosidades nas campanhas eleitorais é a forma de as fazer. Que forma escolhe cada um de nós para fazer campanha directa? Muita gente escolhe o humor. Eu diria mais: instrumentaliza o humor. Sendo que fazer campanha política ridicularizando adversários não é humor. Não sou eu que defino o que é o humor, obviamente, mas o humor misturado com uma motivação política não é humor, é política e a esta é, por natureza, comprometida.

Há umas semanas vi Jel, dos Homens da Luta, a ser entrevistado por Mário Crespo. Toda a entrevista passou por statements políticos, justificando o humor com isso. Ora, o humor não se justifica nem deve ser utilizado para destilar os nossos pruridos mentais e ódios de estimação em concreto. Vimos isso acontecer algumas vezes com João Quadros para o Tubo de Ensaio, por exemplo. Lembro-me de um texto inqualificável que fazia um ataque grosseiro e directo a Pacheco Pereira. É claro que João Quadros ou Jel são livres de dizer o que bem lhes apetecer. O que já não acho correcto é que se use o rótulo do humor para disfarçar.

A fanfarronice não é humor, é fanfarronice. Se calhar um problema de afirmação ou de fígado ou de bom gosto. Mas nunca estará incluída nos capítulos do humor porque revela um problema pessoal concreto, é parcial e paranóica. Coisas que achávamos que já tinham passado mas que nem a sofisticação da linguagem esconde.

19
Jan11

"Pior que gente devassa é um clero com preguiça"*

jorge c.

 

Ricky Gervais fez aquilo que melhor sabe fazer e para o qual foi convidado, nos Globos de Ouro 2011: ser inconveniente. Só quem não viu The Office ou Extras pode achar que Gervais é um humorista comum. Não é. É o maior e mais desagradável humorista do mundo. E isso é tão bom.

Nos últimos dois dias, tem surgido uma enxurrada de notícias sobre o desconforto provocado pelo humorista na gala e boatos sobre um eventual fim da sua participação na próxima cerimónia.

Vendo que o caso era assunto nos media internacionais, mais do que a chegada de Duvalier ao Haiti ou de Hu Jintao aos EUA, o jornalista Sérgio Andrade, do Público resolveu verificar o que se passa e fazer uma notícia com o título: "Ricky Gervais dificilmente voltará a apresentar os Globos de Ouro". Porquê? Porque esta é a "impressão generalizada". E depois cita uma fonte do El País - alguém ligado à cena - e uma crónica no New York Times. Isto bastou-lhe para tão brilhante conclusão, mesmo depois de ter lido o blog de Gervais (eu faço questão de linkar - manias!) e outras opiniões. As primeiras dão mais jeito à teoria...

Ricky Gervais diz uma coisa muito curiosa no seu blog:

Why do people have to embellish? They're allowed to say they hated it. They're allowed to say they didn't find it funny, that it was tasteless, over the top, or whatever. But why do they speculate and make stuff up? Don't worry, I know the answer. Because it's more interesting than "it went fine and some people won some awards and then went to a party". But that's all that happened. Actually, I see what they mean. Boring. So here's what really happened. Bruce Willis and Sly Stallone started a fight with me but Alec Baldwin and Mark Walberg stepped in and helped me out. That's what happened.

 

Enfim, o problema não é dos jornalistas, é dos editores. Não restem dúvidas.

 

 

*O título foi roubado a uma música do Tiago Guillul, também conhecido por estes lados como Tiago Cavaco.

 

 

10
Jan11

Voltando ao problema do mau gosto

jorge c.

Agora sim, com mais calma para responder ao Prof. Azeredo Lopes, há aqui algumas questões que têm de ser esclarecidas.

Em primeiro lugar, é preciso ver que em momento algum me propus a determinar o "mau gosto". Defendo, isso sim, que cabe à sociedade em abstracto a reprovação de condutas despropositadas. Porque, no fundo, aquilo a que estamos a chamar "mau gosto" é um despropósito ou, se preferirem, uma prática menos própria dos costumes. Assim, defendo também que os limites da difamação e da injúria são, justamente, a fronteira a que devemos atender. E quem é que resolve essa dúvida? Os tribunais, como não poderia deixar de ser.

Entramos, então, num segundo ponto. Trata-se de perceber que eu não disse que a ERC estava a censurar os conteúdos de um programa. O que eu disse foi que a ERC abre aqui um precedente, isso sim, de censura (dou de barato a questão da auto-censura e desloco a ironia para a questão do respeitinho). Porque, em rigor, está a determinar os conteúdos ou a traçar-lhes limites com um grau de subjectividade que - agora sim - me parece que não lhe compete. O que eu digo é que não cabe ao Estado determinar o que é censurável ou não na perspectiva dos conteúdos artísticos. Ou seja, quando falamos em subjectividade não estamos apenas no campo da filosofia do Direito, estamos muito mais na subjectividade artística ou na dimensão política do Estado. Sendo que a lei é o braço armado dessa dimensão política, julgo ser relevante discutir o que lhe precede. Daí eu falar em abrir um precedente relativo à definição dos conteúdos. Longe de mim querer dar uma de positivista (Deus Nosso Senhor me livre).

 

P.S. Não queria deixar de retribuir o cumprimento e agradecer mais uma vez a resposta. Acredito que este debate é importante. E mais do que estar a atacar a ERC só porque sim, vale a pena discutir a natureza deste assunto que no meu entender passa pelo campo dos limites.

05
Jan11

Mau-gosto ou ofensa?

jorge c.

Não tinha dado conta de uma pequena polémica em torno de um programa da Sic Radical até ler este post de Estrela Serrano. Na altura não tive tempo de pegar no assunto, mas agora, depois de mais um regresso ao tema por Azeredo Lopes, parece-me necessário debatê-lo.

Confesso que hesitei de início com receio de ser enxovalhado pelo Prof. Azeredo Lopes por ter uma opinião relativa ao humor diferente da sua. Mas também é verdade que este blog pouca expressão tem e ser apelidado de ignorante não é nada a que não esteja habituado, pelo que decidi arriscar.

Depois de ler com alguma atenção o artigo do DN mencionado nos posts, tentei reflectir sobre os limites da liberdade, em redor do humor. Repare-se que não me estou a referir à deliberação da ERC, mas apenas a entrar num debate mais abstracto.

Não posso deixar de concordar com Azeredo Lopes quando este diz que há limites e que esses limites passam pela dignidade humana. Mas, não estaremos a entrar num vasto campo de subjectividade quando tentamos determinar esses limites em concreto? Melhor, não estará já a lei a proteger essas situações de ofensa no Código Penal?

Ao intervir nesta matéria a ERC corre o risco de abrir um precedente na ideia de censura prévia, num estilo "tenham cuidadinho com o que dizem, respeitinho". Ora, para mim que sou um libertário do humor, os seus limites encontram-se precisamente no âmbito da difamação e do insulto. O mau-gosto humorístico não cabe neste pacote de ofensas porque objectivamente não difama, não insulta, apenas goza.

Vejamos alguns casos. Nos EUA, Andy Kauffman ficou célebre por gozar com os sulistas, com as suas idiossincrasias e hábitos sociais. Os judeus, incluindo Seinfeld, são os primeiros a utilizar o auto-sarcasmo como arma de humor. Fernandel celebrizou um tango dedicado aos corsos. E mesmo em Portugal, desde que me lembro, contamos anedotas ofensivas para determinadas identidades em público. Lembro-me também de um livro que passou cá por casa de "anedotas politicamente incorrectas" sobre judeus, aborígenes, mulheres, etc. É claro que se pode argumentar que estes são casos abstractos e o que Rui Sinel de Cordes fez foi individualizar. É discutível que seja mais grave - insisto, discutível.

Quero com isto dizer que há uma fronteira. Mas essa fronteira não se encontra certamente no mau-gosto. O sarcasmo não pode ser o lápis dessa fronteira. Porque senão muitos de nós que fomos alunos de Azeredo Lopes teríamos uma série de queixinhas a apresentar por sermos demasiado sensíveis ao seu sarcasmo.

Vejamos então a questão da reprovação. O mau-gosto de Sinel de Cordes é muito, principalmente por não ter piada e cair numa absoluta banalidade humorística. Mas a reprovação subjectiva do seu humor não pode ser uma iniciativa de uma entidade reguladora. A cobardia ainda não entrou no léxico legislativo e jurídico. Entramos novamente na questão da subjectividade. A reprovação compete ao público que pode ver ou não humor no que está a ser feito. É reprovável e criticável do ponto de vista dos costumes e não da percepção estatal. O Estado não pode andar a proteger a susceptibilidade dos cidadãos com tal puditismo, senão cai no erro de tirar o cachimbo ao Sr. Hulot, impedir publicidade com senhoras e senhores em trajes menores, proibir os palavrões na televisão. É um precedente, não restem dúvidas. Ele está a interferir na linguagem criativa e na liberdade de escolha e de consequente reprovação do público.

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