o lobo de jeddah
Um ex-treinador do Futebol Clube do Porto, Vitor Pereira, foi protagonista de um episódio muito curioso, após um jogo do clube que agora treina na Arábia Saudita, em que se viu perante uma tentativa de condicionamento das suas declarações no final da partida. Para além do descontrolo e do inglês caricaturável, captou-me mais o interesse uma frase dita pelo próprio, de forma muito espontânea e convicta - selvagem, diria. Confrontando o seu censor, em directo na sala de imprensa, Vitor Pereira, exaltado, exigiu dizer aquilo que achava e não o que queriam que ele dissesse, afirmando que "isto é um país livre". O país a que Pereira se refere é a Arábia Saudita, uma monarquia islâmica absolutista, cuja lei fundamental é o AlCorão e a criminal a Sharia. Então, qual a razão da frase impulsiva do treinador português? Talvez seja um pouco revelador da percepção da realidade de que vivem os homens do mundo do futebol. É um universo paralelo onde as regras comuns entre os mortais parecem não ter lugar; um mercado livre de tráfico de capitais e pessoas; um buraco negro de difamção, injúria e violência. Para Pereira, a liberdade de expressão ultrapassa as fronteiras da sociedade em que cresceu porque o futebol lhe permite isso, porque a lei a que obedece é a do futebol que conhece. Poderíamos concluir que é essa a grande obra do futebol para a humanidade - o universalismo ou a globalização em estado bruto. Mas não é. É, antes, um sinal preocupante de alienação e, se quisermos, levando para outros campeonatos, de alguma impunidade, perante a nossa condescendência. Se Jeddah fosse Wall Street, Vitor Pereira seria Jordan Belfort, o seu mais inconsciente lobo.