a minha bola
Um dia ganhei uma bola, cosida em pentágonos verdes e brancos. Era uma manhã de primavera, daquelas frescas que anunciam o calor da tarde. Saímos da escola muito cedo para chegar a horas ao Estádio do Mar. Nessa manhã eu já era feliz. O Prof. Salgueiro nunca me havia deixado para trás. Os rapazes também não, mesmo sabendo que só por morte súbita do adversário eu conseguiria aguentar a bola no pé mais de três segundos. Mas, eu estava sempre com eles. Era assim. Nunca me deixariam para trás. "Vais para a equipa técnica". E lá fui eu, na inocência dos 8 anos, fazer de massagista, com uma caixa de primeiros socorros com algodão, água oxigenada e pensos rápidos e muito voluntarismo para um futuro de ortopedista, carreira que acabaria por falhar por só mais tarde perceber que a boa-vontade e a caixa de primeiros socorros não eram bem recebidos na academia. O torneio lá seguiu. Centenas de miúdos de todo o lado para disputar a grande final inter-escolas do concelho de Matosinhos. O Neno na baliza, porque o Victor Hugo queria era jogar na frente (eu sempre achei, e até muito tarde, que o Hugo seria um grande guarda-redes) e depois, na frente, o Bruno e o Ricardo, muito rápidos, tecnicamente dotados para a idade. Lá pelo meio, o Joaquim Luís e o Augusto, que já eram mais velhos e acabariam por ter algum sucesso nas suas carreiras marginais, assustavam os outros minorcas sem ortodoxias. Não se engalfinharem todos à pancada dentro do campo era uma sorte. Fazia parte do charme do trabalho de equipa. Acabaríamos num lugar ridículo, na velha tradição mamedense de se preferir seduzir o sucesso do que estabelecer logo um compromisso. Era, então, chegada a altura de atribuir e receber os troféus: taças, medalhas, um capri sonne, um pão com fiambre ou queijo e uma bola para cada um. Uma bola para cada criança daquelas. Foi então que o vi. Estava ali, mesmo à minha frente e eu, como S.Tomé, só acreditei quando o vii, em carne e osso, tão vivo e tão presente, como no meu imaginário. Lembro-me de não conseguir dizer nada. O Victor Hugo acabaria por falar por mim e dizer com aquele seu ar muito assertivo, de quem está a constatar um facto que os outros parecem não ter coragem de admitir, que eu era do Benfica. "Ele é do Benfica. Nós não". E ele olhou para mim e sorriu, para depois me fazer uma festa na cabeça e me dar a bola que correria pela minha rua durante anos e que seria um marco dessas amizades imaculadas que só se fazem na rua.
Para mim, o Eusébio é a minha bola, a minha rua, os meus amigos, o meu Porto, a generosidade e a solirariedade que fazem dos rapazes todos bons rapazes, que fazem com que todos os rapazes, no momento em que vêem uma bola ali perdida pensem, imediatamente, em lhe dar um chuto e marcar golo. Porque tal como aquele rapaz que chegaria a Lisboa em 61 para ser o melhor, os bons rapazes só procuram a alegria mágica do golo - a mais refinada das artes.