os que te querem bem
Há uns anos, Brian Warner foi acusado pelos movimentos conservadores americanos de ser um dos responsáveis pelo famoso massacre de Columbine, porque os seus autores seriam seus fãs. Warner explicou, na altura, que o problema nuclear estava na política de uso e porte de arma nos Estados Unidos e não na sua música. Ao longe, será fácil compreender o artista e defender a irreverência e o seu estilo. Entende-se o que é uma manifestação artística se formos ao seu encontro e não nos deixarmos impressionar pelo primeiro impacto.
Talvez seja mais óbvio se eu disser que Brian Warner é, também, Marilyn Manson. A própria escolha do seu nome, bem como dos outros elementos da banda, foi feita com base numa dialética: a beleza e o sonho americano representados pelo icon Marilyn Monroe e o lado negro da condição humana representado pelo tenebroso Charles Manson.
Em Portugal, há cerca de 25 anos, conhecemos uma personagem muito semelhante. Adolfo Luxúria Canibal é um artista reconhecido não só pelos seus pares mas, por todos os que pararam para o ouvir dentro e fora do palco. Quem o fez teve a oportunidade de perceber como é possível encenar rock'n'roll. Lembro-me bem quando no início da década de 90, a propósito do sucesso de Mutantes S-21 - o seu disco mais mediático -, o aparecimento de Adolfo nos media provocou um choque nas almas mais sensíveis. Ai que nome horroroso! Era natural, num país ainda massacrado pela falta de percepção artística e ainda receoso do avant-garde, que se estranhasse toda aquela mise-en-scéne dos Mão Morta. Mas com o passar do tempo, e em particular com o extraordinário Müller no Hotel Hessischer Hof, o país foi percebendo o artista e passou a respeitá-lo. Adolfo contou um dia uma história caricata. Já muito depois de Mutantes S-21 ser lançado, foi confrontado com um fã que tinha visitado as cidades descritas nessa obra-prima porque - e passo a citar - "não viu nada daquilo". O artista tentou explicar que o disco era sobre experiências individuais e era, fundamentalmente, uma obra artística inspirada nas cidades e no ambiente que ele teria sentido aquando de viagens feitas na sua juventude.
Em 2014 há quem ainda prefira apostar na literalidade e nos processos de intenções. Nunca esperaria isso, porém, de Ferreira Fernandes e fiquei muito triste quando li esta crónica. Não me espantaria que gente que lê por obrigação ou por entretenimento fizesse um juízo tão básico; gente que nunca entrou num teatro ou viu um filme sem se queixar da "falta de história"; gente que olha para Pollock e vê rabiscos; gente que diz que o jazz lhe faz confusão aos nervos; que a poesia é coisa de maricas e lamechas. Não, não é esse o tipo de pessoa que vejo em Ferreira Fernandes. Mas, hoje, muito sinceramente, pareceu. E foi horrível.