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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

20
Set11

Vitimização Impossível

jorge c.

Pedro Adão e Silva tem razão e não tem.

Tem razão quando diz que a discussão sobre a crise e a Europa foi desvalorizada durante o anterior Governo. Esta foi, fundamentalmente, a luta ilegítima de arredar os socialistas do poder.

Porém, não tem razão quando se refere a esse tempo com a expressão "com Sócrates". É que "com Sócrates" o argumento da crise e da Europa apareceu muito tarde, muito depois de Pinho-a-crise-acabou 2008, muito depois de orçamentos rectificativos atrás de orçamentos rectificativos e quase ao mesmo tempo do PECIV que, por acaso, não era senão uma actualização anual comum do PEC e que apenas trazia a alteração às pensões (depois acabaram por nos dizer que era exactamente o que estava no memorando da troika... nada de especial).

Uns meses antes de tudo isto, José Sócrates lá ia falando da crise internacional mas, sem se alongar muito. Como dizia Soares há umas semanas na Única, Sócrates não tinha grande cultura política. Por isso, limitava-se a repetir o que os seus conselheiros lhe iam dizendo. Tudo soava a um tremendo vazio.

Pedro Adão e Silva podia perfeitamente ter reforçado que a discussão de que fala é, agora, extemporânea e que muita gente alertou para isso numa altura em que se podia ter feito algo significativo. Não pode é colocar a questão com Sócrates na frente de um pensamento que o próprio parecia desconhecer e com o qual nada fez, de facto.

 

Adenda: O João Pinto e Castro alerta-me, num comentário, que a afirmação de Manuel Pinho é de 2006, pelo que deixa de fazer sentido o meu sarcasmozinho sobre essa questão.

07
Abr11

A encruzilhada

jorge c.

Um pedido de ajuda externa feito por um governo de gestão é uma questão muito delicada. Mais delicado se torna com a dissolução do Parlamento. Isto é um imbróglio nunca antes visto. E dificilmente vai ficar tudo bem.

O que nos diz o nº5 do artigo 187º da Constituição (CRP para os amigos) é que "o Governo limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos". Ora, por mais sui generis que seja o momento, convém pensar out of the box como os gestores modernos. No essencial os limites impostos ao Governo não são taxativos, o que deixa muito espaço a interpretações extensivas. Não podemos pensar que isto só acontece para que o Governo subverta as suas competências, mas antes para que um governo em gestão, seja ele qual for, tenha margem de manobra na resolução de problemas imediatos e urgentes.

Resta-nos agora perceber que entendimento fazemos do momento que estamos a viver. Será um pedido de ajuda externa um acto de gestão estritamente necessário? A nossa capacidade de financiamento agravou-se. A dívida privada (essencialmente) e a pública perderam credibilidade e a banca não tem condições nem de financiar nem de se financiar. Com a especulação que paira por aí, corremos o risco de entrar num problema bancário profundo. O nosso dinheirinho, portanto. É capaz de ser chato.

Por outro lado, recorrer a ajuda internacional de um qualquer fundo é um acto político, uma decisão política e não um acto de gestão corrente das contas públicas. A sua inevitabilidade não é efectiva ou real. É claro que as suas consequências podem ser desastrosas. Não podemos afirmar com certeza de que teríamos capacidade para subsistir sem financiamento e com um volume de dívida tão grande. Ainda assim é uma opção política. Ora, com um governo demissionário e uma AR dissolvida, resta-nos o argumento de uma grande emergência nacional para suportar o conceito de "estritamente necessário". Mas, mesmo com todos os partidos de acordo (que neste momento, em rigor, não representam ninguém), tenho sérias dúvidas sobre a legitimidade para um acto com consequências que perdurarão sabe-se lá durante quanto tempo e que terão um peso significativo não só no quotidiano como no desenvolvimento do país; um acto que não é apenas "gestão dos negócios públicos".

Uma lei fundamental existe como instrumento de organização não só para referência diária ou manual de conduta, mas também para nos proteger em momentos conturbados em que percamos o norte. Instrumentalizar a Constituição material à luz de um momento que pode não ser representativo da realidade constitucional é, de certo modo, fragilizar a segurança dogmática da CRP e a nossa própria confiança na discricionariedade que a CRP permite. Não é algo que deva ser feito com ligeireza e de forma dissimulada.

Era importante ser honesto com o país e não andar a fazer de conta que a questão é simples. Pelo menos o sr. Presidente da República terá essa obrigação.

24
Mar11

A confiança em nós próprios

jorge c.

Sobre o despropósito de uma crise política neste preciso momento já citei o artigo de Pedro Santos Guerreiro há uns posts atrás. Julgo que não será necessário dizer mais nada. De leitura obrigatória será também este excelente post do Paulo Pinto - uma análise lúcida e equilibrada como pouco ou nada se tem visto. Pouco mais há a dizer, também.

É verdade que este assunto agora passará apenas para os compêndios da História ou para os arquivos dos mais combativos como argumentário de arremesso. O que importa agora são as eleições, a campanha, enfim... está-se mesmo a ver o filme. Não nos bastava já o risco de agravamento da situação económica do país, ainda vamos ter de assistir a uma trágica guerra civil entre as tropas sedentas de sangue - uma guerra civil larvar, como um dia ouvi Irene Pimentel dizer.

Contudo, não posso deixar de relevar o que aconteceu ontem, no sentido do que significa para a nossa democracia. Guerras à parte, uma crise política não pode ser inevitável quando se está no momento fundamental para restabelecer a confiança do exterior no país. Dê por onde der, o país tem de saber unir esforços mesmo com uma governação de que não gosta. O que é também muito relativo, visto que este foi o Governo eleito há um ano e meio. Mas, já lá vamos. Importa primeiro perceber que o problema da crise portuguesa é hoje um problema da confiança dos nossos credores na nossa capacidade enquanto devedores. A confluência de esforços é, nesse sentido, fundamental. Não pode o Governo ignorar as instituições representativas dos portugueses, nem o Parlamento confundir um instrumento crucial de restauração de confiança com uma moção de censura.

O Governo é eleito para tomar as decisões que achar convenientes para a prossecução do interesse nacional. O Plano de Estabilidade e Crescimento não é passível de ser votado na AR, é um compromisso que temos com a UE e cabe ao Governo tomar as medidas que achar adequadas à sua concretização. Foi este o Governo que elegemos para tal quando todos já sabíamos que estávamos perante uma crise grave.

É certo que nem só de actos eleitorais se faz a democracia. Mas, num momento tão delicado como é este que vivemos, valores mais altos se levantam, dir-se-ia.

O que aconteceu ontem foi um total desrespeito pelos resultados eleitorais, pela vontade soberana do Povo. O que aconteceu ontem foi confundir a vontade de mandar Sócrates embora com a necessidade de mostrar coesão nacional em nosso próprio benefício. Estamos agora mais perto de nos tornarmos um império de ressentidos, abertos cada vez mais à demagogia que nasce nas ruas com a irresponsabilidade de quem não compreende as regras do jogo nem quer compreender; de quem não se esforça nem admite que os outros o façam. Este foi só o primeiro passo para afundarmos a confiança em nós próprios.

22
Mar11

No fundo, é isto

jorge c.

Estas eleições são um crime porque acontecem no pior dia possível, ameaçando o sucesso da própria cimeira do euro que nos ia acudir. Estas eleições são um crime porque Portugal tem até Junho dez mil milhões de euros para pedir emprestados, porque a banca está em stress, porque as empresas públicas estão a ficar sem dinheiro. Estas eleições são um crime porque vão produzir meses de foguetório político para eventualmente chegar a minorias e inviabilidade negocial entre PS e PSD. Estas eleições são um crime porque são contra o interesse nacional, contra os portugueses, contra a sensatez. Se é crime, há culpado e não é preciso jogar Cluedo: Sócrates foi o primeiro responsável por esta crise política, como admitiu ontem Luís Amado, fosse por calculismo político ou por cegueira não ensaiada. Passos Coelho podia ter evitado a crise, se engolisse outro elefante, e pode mesmo perder nestas eleições o que ganharia noutras daqui a mais tempo. Ou seja: depois da ajuda externa que ainda não chegou mas já partiu.

 

Pedro Santos Guerreiro, no Jornal de Negócios

12
Dez10

"um pé numa galera e outro no fundo do mar"

jorge c.

Em Portugal e o Futuro, Spínola dizia algo muito relevante na altura e que costumo citar muitas vezes: não é apenas aquilo que achamos de nós mesmos, mas também a forma como os outros nos vêem.

É chato, não é muito animador, mas a verdade é que tem de haver motivos de preocupação. E sem os dramas do costumes ou o optimismo acéfalo e sectário, seria importante perceber que é preciso agitar a sociedade portuguesa que ainda tem possibilidade e capacidade para agir. Dar esperança com base em coisas objectivas e concretizáveis. E sim, é um lugar comum, mas um lugar comum que também quero repetir. Façamos algo pelas nossas vidas. Não desperdicemos tempo a defender ou atacar quem não sabe sequer o que fazer da sua própria vida, quanto mais da dos outros.

Deprimir não é a solução, nem iludir.

11
Out10

O problema de Portugal, afinal, sempre são os portugueses

jorge c.

Quando o lume aumenta a culpa morre solteira. O estado actual da política portuguesa resumir-se-ia muito bem numa simples palavra: desresponsabilização. Já vimos de tudo nos últimos anos. Nunca tínhamos era visto culpar uma massa geral e abstracta - o povo.

Deixem-me primeiro dizer que compreendo bem o que o autor do texto linkado quis dizer, sendo que chego mesmo a concordar com parte substancial do seu raciocínio e partilho até o mesmo cinismo. O que não consigo entender é o seguinte: como é que se consegue colocar responsabilidades, ainda que indirectas, de má governação por falta de cidadania?

É absolutamente verdade que o défice de cidadania em Portugal é responsável por uma certa decadência de toda a estrutura social e económica. Mas o afastamento dos cidadãos das mais elementares funções sociais (o associativismo, a participação política e nas demais instituições, por exemplo) não pode ser visto como inibidor de opinião pública, sendo esta também uma característica da cidadania, nem tampouco como responsável pela degradação da cena política e pelos resultados efectivos das governações.

Desprezo o discurso anti-político e anti-políticos. O que não posso deixar de observar é que a responsabilidade pela pedagogia e pela autoridade moral é, em grande parte, da classe política que assumiu essa mesma função depois do 25 de Abril, depois de 40 anos de paternalismo e autoritarismo. Onde está a pedagogia dos partidos políticos nas comissões políticas dos núcleos, das concelhias e das distritais? Onde está a demonstração da autoridade moral relativamente ao supremo interesse de cada comunidade? Onde está a opinião pública fora dos grandes centros urbanos, nomeadamente de Lisboa? Onde está o esclarecimento para a cidadania europeia?

Deixem a culpa morrer solteira, mas por favor não abusem das desculpas.

30
Set10

O fim do sonho

jorge c.

Não irei dizer nada de novo neste post. Venho apenas reforçar o que tenho dito nos últimos dois anos e meio. Depois de tudo o que se disse, de todos os avisos sobre o estado das contas públicas, do irrealismo do Governo, da necessidade mais do que evidente de acautelar a despesa, de uma forma absolutamente intolerável e pornográfica, há quem não tenha vergonha e venha defender a governação do Engº Sócrates. É de um desplante sem nome.

O país recebe com tristeza a austeridade do novo plano de reequilíbrio das contas. A verdade é que a necessidade destas medidas é inegável. O que se deve, portanto, discutir é toda a ilusão que o Governo socialista andou a vender durante os últimos anos. Não, as coisas não estavam bem, a crise não tinha acabado, as empresas não tinham capacidade de resposta por falta de medidas preventivas da recessão e o grande investimento público deveria ter sido suspenso. Agora, vai tudo. Parece que os catastrofistas, os alarmistas e toda essa gente do lado do mal tinha alguma razão para recear um tempo em que estas medidas tivessem de ser tomadas. Quem paga somos todos, não é o vizinho do lado. Mas a vitimização e os atestados de ignorância soam sempre melhor a quem julga viver num lugar transcendente onde tudo é possível se fecharmos os olhos e fizermos muita força.

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