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Manual de maus costumes

Manual de maus costumes

27
Jan11

O exercício dos Direitos Fundamentais

jorge c.

O direito de voto não é um Direito Fundamental que se exerça sem a contribuição do governo, não se determina a si próprio e por isso necessita de conformação executiva. Cabe, portanto, ao Estado criar todas as condições para a realização desse direito. Quando o Estado se demite da sua responsabilidade mesmo que por negligência, então considera-se que não fez o que estava ao seu alcance no cumprimento de um dever seu, imposto por lei.

Não podemos, assim, e como muito se tem ouvido por aí, desresponsabilizar o Estado de uma matéria consagrada como sua responsabilidade directa. Em rigor, falhou, como se pode ver, o dever de informação fundamental à prossecução do objectivo final. O Estado não pode assumir que a publicidade institucional é vinculativa porque os meios não são absolutamente acessíveis. A informação directa salvaguarda o Estado do cumprimento devido. Culpar os cidadãos por inépcia é, neste sentido, uma total falta de conhecimento da arquitectura e dos fundamentos constitucionais. É muito fácil perceber que, numa situação limite de indecisão eleitoral, este problema não seria certamente tratado com a mesma displicência.

Em bom rigor, é isto que está em causa. Como tal, não me parece nada descabido que se peçam responsabilidades. E neste caso, por que não ao responsável máximo? Não se trata de uma simples guerrilha político-partidária. Trata-se, isso sim, da defesa dos instrumentos democráticos.

25
Jan11

Futuro próximo

jorge c.

Esta análise da Economist às presidenciais portuguesas é muito interessante porque assenta essencialmente em política, de facto. É qualquer coisa a que não estamos muito habituados. Os nossos analistas estão mais preocupados com o seu ego e os seus problemas dermatológicos do que com a análise política livre e lúcida.

Do Presidente da República espera-se que saiba ponderar bem o grau de crise política. Ela existe, é indesmentível, apesar do governo assobiar para o lado. É importante que o PR não contribua para o seu agravamento, mas que também não tape os olhos à incapacidade de liderança e de responsabilidade do Governo com os eleitores e os compromissos internacionais. E aqui está um dos temas que, confesso, me fez confusão não ver abordado na campanha eleitoral: a Europa.

O dia seguinte destas eleições é, sobretudo, de expectativa. Muito embora a previsibilidade de Cavaco Silva nos garanta que, pelo menos, nada de bombástico acontecerá se não houver um apoio significativo da opinião pública. E o Governo treme, claro.

24
Jan11

Goodbye Lenin@

jorge c.

Afinal o povo já não é quem mais ordena. Há uma elite com uma certa abrangência que sente que este não é o melhor caminho para a democracia e para as instituições. Como tal, o melhor será fazer umas alterações cirúrgicas. Tudo pelo bem do progresso e do grande povo português europeu coiso. Chato é que agora está um bocado difícil encontrar uma solução. Se calhar, enquanto o problema não é resolvido, coloca-se um anúncio no jornal.

 

 

Classificados:

 

- Procura-se: homem/mulher com dimensão urbana, de preferência nascido e criado na área metropolitana de Lisboa (Algés e Sacavém não contam), com licenciatura + mestrado + doutoramento na área das ciências sociais, educação, saúde, física quântica e hotelaria. Dá-se especial atenção a quem tenha interesse por media e social media, coma de boca fechada, não roa as unhas nem tire catotas do nariz em público. É aconselhável que não tenha mantido qualquer tipo de relação pessoal sem recibo ou factura. Atenção! Tem de estar em convergência com o progresso e obedecer cegamente ao seu cânone. Contacto: olhe... procure na internet.

20
Jan11

Figadeira

jorge c.

Sócrates: um Presidente não deve falar em crises políticas.

 

Não foi o único a referir-se ao tema nestes termos. Tal como Sócrates, há uma certa mentalidade que parece não compreender muito bem as funções da Presidência ou só as compreende quando é conveniente. À conveniência em matéria de princípios chamamos relativismo - uma velha tradição francesa da qual o socialismo europeu é particularmente fã. Ou refém.

Mas, regressemos ao tema e ao argumento falacioso. O Presidente da República pode e deve falar em crises políticas, principalmente quando elas estão latentes e a objectividade e a segurança institucionais são demasiado importantes para que o Estado não caia em desgoverno. Há crises políticas bem mais graves do que a dissolução da Assembleia da República.

Assim, compete ao Presidente da República mostrar que não se demitirá das suas responsabilidades num cenário de crise política (que pela Europa fora parece ser uma realidade cada vez mais presente) e ao mesmo tempo tentar evitar que ela aconteça cooperando com o Governo para o interesse nacional. Ora, se o Governo não se mostrar cooperante para o interesse nacional e tiver uma narrativa diferente do resto do país, é natural que nessa altura o PR actue em conformidade. Parece-me uma realidade política mais do que óbvia e legítima.

Tentar evitar uma crise política e saber o que fazer no caso dela se tornar inevitável não são dois discursos desconexos e incongruentes. Muito pelo contrário, são o mesmo discurso - o da responsabilidade e do conhecimento das funções da Presidência.

 

Agora sim, estou a fazer campanha e a falar de matéria eleitoral.

19
Jan11

Impressões de uma campanha VI - epílogo

jorge c.

Fico com a ideia de que a maioria das pessoas tem algum desinteresse pela campanha eleitoral. Só pelas redes sociais é que há um surto forçado de campanha e que tem como foco principal Cavaco Silva. Julgo que se tratará mais de um facto do que de uma percepção exclusivamente minha.

Com um cenário destes, o meio dos que gostam de debater a política está um pouco condenado a cair no erro dos casos laterais e dos soundbites sem conteúdo ou enganadores. Poderá ser este um dos motivos para o desinteresse dos cidadãos em geral? Eu julgo que sim. Não porque as pessoas tenham necessariamente consciência do fraco grau de debate, mas sim porque deixam de compreender a necessidade da política nas suas vidas por falta de esclarecimento.

Ora, se os media tradicionais optam pelo lado da campanha menos relevante para o país (reflexo do que os candidatos transmitem), deveria caber aos comentadores, aos bloggers e aos milhares de pessoas espalhadas pelas redes sociais uma discussão mais profunda porque são estes os que a mais informação têm acesso. Limitarem-se a reproduzir soundbites das assessorias dos candidatos e dos partidos é um sinal evidente do falhanço do debate democrático.

Acima de tudo, estamos perante uma falta de juízo crítico provocada pelo sectarismo e pela propaganda. Alimentam-se expressões-chave ou casos sem uma acusação em concreto, levantando suspeitas sobre as pessoas, e ignora-se a substância política de cada candidatura. Para que serve a Presidência da República? Quais os seus poderes e funções? Não, nada disso. É preferível discutir a insignificância de um artigo matricial numa escritura pública (sem saber ao certo do que se está a falar, mas levanta-se sempre a suspeita), o passado extremista do candidato ou se é o partido A ou B que dá ou não dá apoio, e por aí fora. A desculpa é o escrutínio do carácter dos políticos. Já comi pior e não paguei.

Dizem que os soundbites resultam, porque as pessoas não querem conteúdos. Eu muito gostava de saber quem é que lhes passou procuração sobre o que os eleitores querem ou não. Os eleitores não são estúpidos e a culpa do regime não é deles. Responsabilizar o povo, em abstracto, pelo resultado das suas opções é desresponsabilizar os políticos da sua vertente pedagógica e honestidade intelectual. Conhecemos muitos instrumentos para fugir a essa responsabilidade: o populismo, a demagogia, a propaganda, etc.

A repetição do discurso vazio das candidaturas por pessoas informadas, por puro sectarismo, é que vai, então, revelar essa falta de juízo crítico e incapacidade de pensar e promover a política como um bem comum e não como um projecto egoístico que não olha a meios para atingir fins. Compete-nos ser exigentes com o debate político e não nos conformarmos com o caminho que cada vez mais ele toma.

14
Jan11

Impressões de uma campanha V

jorge c.

Nos últimos 5 anos vimos muita gente ser acusada de estar do lado do socretismo e de ser idiota útil do socretismo e mais trinta por uma linha. Eu próprio cheguei a ser acusado de tal quando peguei no tema homossexualidade na polícia, a propósito de uma tertúlia a que assisti sobre o assunto. Talvez seja natural a destilação de ódio quando estamos na oposição e tudo o que estiver relacionado com o poder é exponencialmente diabolizado. Por outro lado, uma ameaça ao poder é logo atacada pelo seu lado mais frágil, o da injúria fácil e sem conteúdo político.

Quando os sujeitos da relação política mudam e se invertem as posições, os peões acompanham a mudança até na percepção da sua narrativa. Isto suscita a velha questão do "dois pesos e duas medidas". Aqueles que condenavam a injúria são agora os injuriadores e vice-versa. Na cabeça dos sujeitos isto faz todo o sentido, e faz se tivermos em conta que entendem a política como um jogo de interesses egoísticos. Quando assim é, o debate em abstracto não se gere por princípios de fundo, mas antes pelas circunstâncias actuais. A diferença entre o princípio de fundo e o circunstancialismo é que, como este último está sempre a mudar, nunca se chega a uma uniformização ética ou moral do debate. Ora, a democracia sem um suporte ético e moral sólido, que não apenas o que é gerado pelo formalismo legislativo, não se torna esclarecedora.

13
Jan11

Impressões de uma campanha IV

jorge c.

Em Batman Begins há uma parte curiosa em que um determinado gás é lançado através das condutas e esgotos, e toda a população fica a alucinar com manias persecutórias.

A campanha eleitoral em Portugal toma sempre uns contornos parecidos. A certa altura parece que anda meio país a alucinar com interpretações macabras do que os candidatos dizem, com histórias de passados duvidosos trazidas à baila sabe-se lá bem porquê... Enfim, um conjunto de tonterias. A verdade é que, como eu disse ontem, esta alucinação colectiva conduz a trocas de insultos que nada têm que ver com o debate político, mas que fazem apenas parte de uma péssima cultura democrática onde o nosso lado é o do bem e o outro o do mal. É exactamente a partir deste maniqueísmo que o debate político desaparece e ninguém fica esclarecido sobre nada.

Este é o meu grande problema com o sectarismo. Não posso aceitar que o debate e o esclarecimento se limitem a problemas dermatológicos dos que vestem a camisolinha e promovem o ruído a tema central das campanhas. A blogosfera e as outras redes sociais poderiam ser a grande excepção, pois são locais de debate privilegiados. Ao invés, faz-se bem pior. É só lamentável.

12
Jan11

Impressões de uma campanha III

jorge c.

Haverá algum motivo especial para que em período de eleições o entendimento que temos uns dos outros se altere? Parece-me que por esta altura paira uma nuvem de guerrilha que afecta a própria percepção que temos do outro. Se isto era algo que se compreendia no período quente pós-revolução, não tem qualquer cabimento hoje. A falta de cultura política em Portugal e a imaturidade democrática tornam-se evidentes nesta confusão de percepções. Unimo-nos a quem muitas vezes não suportamos e desprezamos os amigos num tom sobranceiramente acéfalo. É só lamentável.

11
Jan11

Impressões de uma campanha II

jorge c.

Precisamente do lado oposto, à direita, os apoiantes de Cavaco Silva também parecem não gostar muito do debate presidencial e resolvem entrar no mesmo jogo daqueles que tanto criticam. Foi o caso de Carlos Nunes Lopes que resolveu desenterrar o passado de Alegre. Era um passado escondido? Não, era apenas algo que estava no baú e que CNL foi buscar ao arquivo numa espécie de reacção pavloviana aos ataques da esquerda.

Mais tarde, uma conversa com o Nuno Gouveia no twitter gerou um post seu sobre o tema. E lá está tudo. É exactamente este o problema: se os outros fazem, por que não haveremos nós de o fazer também? Desde logo temos o vírus do entrincheiramento - doença mortal que afectou o debate político em Portugal. Depois, temos o paradoxo dos princípios. Ora, se outrora se defendeu Durão Barroso do seu passado maoísta, por que motivo se irá agora fazer exactamente o mesmo, que tanta indignação suscitou, em plena campanha eleitoral?

A imagem que é dada da forma de fazer campanha é muito importante para a construção da confiança dos cidadãos no poder. Para já não falar no cansaço que o eleitor vai ganhando destes joguinhos inconsequentes e despropositados. Não é assim que o debate ganha credibilidade.

10
Jan11

Impressões de uma campanha I

jorge c.

Chamemos-lhe campanha externa, visto não ser a campanha dos candidatos propriamente dita, mas dos seus simpatizantes ou detractores. Começo por este interessante texto da Sandra Monteiro no Le Monde Diplomatique. Eu tinha-lhe prometido duelo, mas fico-me só por uma breve observação.

É uma forma comum de discutir política à esquerda - levantar o fantasma do neoliberalismo. Diaboliza-se e estereotipa-se o candidato à direita como sendo um inimigo do povo e da democracia que só quer tirar proveitos próprios. Temos assim o retrato do indivíduo de direita. Este argumento cai num erro tremendo e numa demagogia fácil de desmontar. O carácter de um político não se avalia na sua ideologia. Daí que um inimigo do povo possa estar à esquerda ou à direita. Se eu entender que a propriedade e a iniciativa privada cabem hoje no catálogo dos Direitos, Liberdades e Garantias, então terei de encontrar um inimigo constitucional no PCP ou no BE, logo, nos candidatos Francisco Lopes e Manuel Alegre. Não seria sério da minha parte fazê-lo.

Outra questão que a Sandra levanta prende-se com a complacência de Cavaco no caso BPN. A única questão que poderíamos levantar aqui era a de Dias Loureiro. Ainda assim é discutível fora do âmbito especulativo sobre o que Cavaco pensa ou deixa de pensar. Naquilo que são os poderes objectivos do PR nada havia a fazer e só Dias Loureiro poderia sair pelo seu próprio pé. Tudo o resto são assuntos da Justiça e decisões do Governo (a nacionalização) e, neste último caso, se queremos questionar alguma coisa terá de ser sempre, em primeiro lugar, a decisão do executivo.

De resto, concordo com alguns aspectos da sua crónica, nomeadamente no que diz respeito às escutas e à fabricação de consenso. Com jeitinho e boa vontade, até nós fabricamos aqui um consenso.

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