Nas redes como na vida
No outro dia, um colega meu informava os restantes presentes que, em média, cada pessoa passa 2 horas e meia no Facebook. Este dado gerou logo o espanto geral. Como é que é possível? No que nos estamos a tornar? Calma, calma. Há 15 anos atrás, um estudo feito por profissionais do ramo dizia que, em média, as crianças viam 4 horas e meia por dia de televisão. Já ninguém se lembra. O mundo, entretanto, não acabou, essas crianças cresceram e deixaram de ver televisão para passar a estar no Facebook numa média de 2 horas e meia.
As empresas, hoje, preocupam-se muito com o tempo que as pessoas perdem nas redes sociais. Não duvido que tenham alguma razão. Mas será um problema das redes, em si, ou do utilizador? Será que eu posso ser condenado por utilizar as redes pelos mesmos motivos que o meu colega do lado? Que utilização dela fazemos?
Não devo projectar a minha própria utilização. Desde que me lembro da existência de feeds que uso tudo o que estiver ao meu alcance para absorver informação. É uma forma simpática de não perder tempo a consultar jornais e estar, ao mesmo tempo, informado. As redes sociais aumentam ainda mais este potencial, se cada pessoa contribuir. Quando isso não acontece temos bom remédio: delete.
O que vou notando, com o tempo, é que os utilizadores de Facebook, por exemplo, estão agarrados a um sentimento de posse da sua rede e não fazem, muitas vezes, ideia do seu potencial. É muito fácil confundir comunicação com coscuvilhice. Mais fácil ainda é culpar o mundo pela nossa própria rede social. Habituado a ser cliente na vida, o utilizador comum projecta as suas pequenas frustrações na pobre ferramenta. O último grande disparate é esta questão levantada por este texto.
Quanto mais não seja, as redes sociais são aquilo que nós fazemos delas. As pessoas que seleccionamos são uma opção nossa. Aquilo que dizemos publicamente é uma opção nossa. As discussões em que nos metemos são uma opção nossa.
Há cerca de dois anos, um texto de Miguel Sousa Tavares ficou muito famoso por se mostrar contra o Facebook. Na opinião do autor, para além da já habitual doutrina de costumes as far as he can see, o Facebook é uma invasão de privacidade. Ora, a opinião de MST não é muito diferente da de pessoas que estão na rede e que nela participam todos os dias, nem que seja a ver o que os outros lá colocam.
Quero dizer com isto que tem tudo muito mais a ver com uma desorientação generalizada, uma ansiedade social e uma projecção de frustrações. Não podemos achar que as redes vieram agravar a decadência da civilização. Podemos, sim, gerir melhor as nossas redes, decidirmos com firmeza o que queremos e o que não queremos nas nossas vidas, em vez de esperarmos que, por obra e graça do Senhor e das queixinhas, seja feita a nossa vontade.